UM BONECO MELIANTE EM MERCÓ
Postado em20 Aug 2018 21 47 HISTORIAS DE MERICO

                                  
Devolvendo para o amigo caicoense, Mestre Emanuel,
esta pérola  com que nos presenteou ao relatar suas
vivências de bonequeiro, artista das ruas deste grande
Mericó que é o Brasil.


“Sou Capitão João Redondo, Sete Casacas e Meia, comigo brincou, tá na peia!” Assim começava o brinquedo do João Redondo, lá em Mericó e naqueles sertões distantes.

Para aquela gente isolada do mundo, com pouquíssimo acesso à cultura e ao lazer, a chegada a Mericó de um boi do rei, um João Redondo, sempre era motivo de alegria.

O brincante mais presente e apreciado na região era o Mestre Manu que, sendo de Caicó, percorria o Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Ceará com sua mala de bonecos.

Mas naquele ano surgiu uma novidade: além da tradicional trupe do João Redondo, Mestre Manu trouxe, também, um boneco de ventríloquo.

Após a costumeira e divertida apresentação do João Redondo, o bonequeiro sentou-se num tamborete à frente da tolda e, com Baltazar no colo, passou a tirar boas gargalhadas do público encantado com o boneco falante.

Sendo a unanimidade uma coisa rara, um dos presentes, em vez de se entregar à fantasia e rir como os demais, optou por implicar com o boneco. E a implicância aumentava na medida em que o boneco devolvia-lhe as provocações em tom de chacota, levando o povo a rir e apontar o dedo para o perturbador.

José Cachacinha era o algoz que acabou virando vítima de Baltazar. Estava, como de costume, embriagado. Tanto que trocava os olhos e encostava-se num poste para manter o equilíbrio.

- Ou nego cachorro da silibrina de fei! Parece o cão dos inferno! – Gritou Zé para o boneco que, ao se inteirar discretamente sobre o seu nome, falou:

- Olha aqui, pessoal, por falar em feiura... Vou contar uma coisas a vocês. Mas é segredo. Não espalhem! José Laurentino, que não entendo porque o povo chama de Zé Cachacinha, um dia desses, ao chegar em casa embriagado, se deparou com um homem dentro do seu quarto... Mas era um sujeito tão feio, mas tão horrível, que ele nem teve ciúmes da mulher. Mesmo assim, pela falta de respeito do horroroso, Zé quebrou-lhe a cara com uma meia dúzia de socos e pontapés. E o resultado foi que passou mais de um mês com as duas mãos enfaixadas. Não havia homem nenhum. Era um espelho grande que sua mulher havia comprado.

O público caiu na gargalhada e Zé, num misto de vergonha e raiva, soltou outros impropérios para o boneco que os devolveu causando-lhe mais embaraços e, dando-se por vencido, abandonou, discretamente, o local.

Satisfeito com a boa receptividade do público, traduzida numa boa arrecadação, Mestre Manu acabava de fechar a mala quando alguém lhe tocou o ombro. Era um policial.

- O senhor é o responsável, aqui, pela apresentação?

- Sim, senhor.

- E cadê o outro que estava aqui com o senhor?

- Não tem outro, policial. É só eu, mesmo.

- Não se faça de desentendido.  Um cidadão prestou queixa de que tinha aqui, um tal de Baltazar que lhe desacatou.

- Essa não! Baltazar? – Falou mestre Manu sem conter um boa gargalhada.

- Olhe que isso é desacato a autoridade! Se não parar com essa risadagem e disser agora mesmo onde está o meliante Baltazar, serei forçado a levá-lo preso por desacato.

- Este é Baltazar, seu Policial... – Disse o Mestre abrindo a mala e tirando dela o boneco.

- É esse aí, mesmo, dotô cabo! Era esse Nego aí que tava me insultando!  O mestre Manu é gente boa, mas esse nego nojento num vale nada! – Gritou Zé Cachacinha que, de longe, acompanhava a ação do policial.

Volvendo o rosto para o reclamante, o policial, disfarçando o vexame, fez valer a sua autoridade:

- Teje preso, Zé Cachacinha. Pra aprender respeitar autoridade, hoje vai dormir no xilindró!

- Deixe o coitado, Dr. Delegado. É como uma criança. – Admoestou mestre Manu.

O mestre, com sua experiência de mundo, mirou e acertou bem no alvo: O “Dr. Delegado” acariciou tanto o ego do cabo que este, na sua momentânea e inebriante superioridade, relevou aquela bobagem.

- É. O senhor tem razão.

Aldenir Dantas


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Aldenir Dantas
21 Aug 2018 21 50
A gratidão maior é minha, amigo Jomar Morais e demais amigos do Planeta, pela generosidade, mesmo diante do caráter modesto e esporádico dos meus escritos neste seleto espaço.
Jomar Morais
21 Aug 2018 01 22
Maravilha, poeta Aldenir. Os amigos do Planeta agradecem a você, ao capitão João Redondo, a Baltazar...
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