UM CASO DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO EM MERICÓ
Postado em06 May 2019 00 57 HISTORIAS DE MERICO



O fato ocorreu em Mericó, mas Chico Rapadura era de Jaçanã. Ganhara esse nome por viver de comprar este produto no brejo paraibano e distribuí-lo na região do Agreste potiguar.

Quem não o conhecia, ao primeiro contato com aquele homenzarrão, percebia haver gritante contraste entre o que parecia ser e o que, de fato, era.

Tinha quase um metro e noventa de altura e porte físico de amansador de boi, acentuado pela camisa de mangas arregaçadas acima do cotovelo. Seu rosto era avermelhado, seus olhos apertados, o bigode farto de pontas enroladas e, por andar de braços arqueados, parecia estar sempre pronto para uma boa briga.

Contudo, ao falar, o vozeirão de trovoada esperado pelos desavisados não se fazia ouvir. Tinha fala mansa, era de pouca conversa, paciente, atencioso. Preferia ouvir.

Quem o conhecia dizia ser ele incapaz de fazer mal, sequer, a uma mosca. Chovesse ou fizesse sol, aquele era o seu jeito. Ninguém jamais o vira perder a serenidade. Era como se, para ele, não houvesse tempo ruim.

Seu mercedes cara curta era famoso por onde rodava. Isso por causa dos esmerados cuidados recebidos do dono. Além da pintura, sempre reluzente, sua cabine era enfeitada com franjas, bandeirolas e uma pequena rede armada no teto.
No para-brisa havia uma mão acenando e no para-lama traseiro, em letras rebuscadas, a frase: “BIANA, ME ESPERA QUE EU VOLTO”.

Retornando de Santa Cruz, Chico parara em Mericó para almoçar e depois seguir com suas entregas. Era dia de feira e no mercado sempre havia um bom picado com cuscuz, sua comida predileta. Estava ele saboreando esta iguaria quando um desconhecido mal encarado aproximou-se e, sem pedir licença, puxou um tamborete e sentou-se ao seu lado, quase colado.

Estranhando tal atitude e incomodado com aquela proximidade, Chico olhou-o de soslaio afastou-se, arrastando o tamborete, e perguntou:

- É servido?

- Agradecido. Meu negócio aqui é outro. – Respondeu, entre dentes, sem olhar para o interlocutor.

- Então diga. Se for rapadura, a que tem no carro já tá encomendada. – Falou entre duas colheradas de comida.

- Rapadura não. Quero é o dinheiro que tá aí, nessa bruaca de couro. – Falou apontando com a ponta do olho para a bolsa que Chico trazia a tiracolo.

- Oxente! E porque diacho eu vou te dá dinheiro? – Falou, com sua natural tranquilidade, sem interromper a refeição.

- É melhor você dá. Faça besteira não. Se não der, vai suceder coisa ruim com uma pessoa sua... Pessoa muito estimada...

- Tá certo. Entendi. Faço besteira, não. Mas, antes de dar o dinheiro, me diga o que vai acontecer e  quem é a pessoa?

- Aquela que você quer muito bem.... Você sabe... Biana.

- Mas não é possível! Biana? – Falou sem alterar-se e sem olhar para o estranho.

- Sim. Ela mesma. Tô aqui, mas lá tem dois com ela... Agorinha, num lugar escondido. Se ainda quer vê-la, faça o que eu mando. E os cabra lá, tem muita paciência, não. Se eu demorar com o dinheiro, sei não o que eles vão fazer. – Falou, tentando controlar o nervosismo, sem olhar para Chico.

- Entendido... Demoro, não.  Vou fazer a coisa bem direitinho. – Falou, colocou a bolsa sobre a mesa e, pacientemente, abriu o zíper e enfiou a mão em seu interior.

Mais aliviado e buscando com o olhar a melhor saída para ausentar-se dali, o bandido esperou o dinheiro para encerrar a operação.

Mas, em vez do esperado maço de cédulas, Chico sacou a faca usada no trabalho com os garajaus de rapadura. Num movimento rápido, pegou o meliante pela abertura da camisa com uma mão e, com a outra, encostou a ponta da faca nas suas costelas.

- Menino, corre ali e chama o delegado pra prender esse cabra safado. Tava querendo me roubar, o desgramado! – Falou para um cabeceiro conhecido seu que, vendo o ocorrido, aproximara-se para oferecer seus préstimos.

- Faça isso, não! Faça não, que ela vai morrer! – Resmungou o golpista, com cuidado para não ferir-se na arma colada em seu corpo.

- Se não fechar o bico, vou perder a paciência e quem vai morrer é você. – Falou sem alarde, mantendo a costumeira calma.

O delegado não tardou e o bandido foi preso.

Ao chegar em casa, remoendo o ocorrido,  livrou-se ele das botas, deixou-se cair na espreguiçadeira e, fechando os olhos, respirou aliviado. E, como de costume, Biana pulou em seu colo onde, lenta e maciamente, aconchegou-se.

- Sequestraram Biana! Essa é boa... – Resmungou sorrindo e acariciando a adorável gatinha que lhe deixara sua mulher, falecida há pouco mais de um ano.

Aldenir Dantas




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