Ano 27                                                                                                                              Editado por Jomar Morais
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Introdução ao estudo do
BUDISMO
Texto elaborado pelo médico e terapeuta
Luis Fernando Ruegger
Trabalho baseado nos ensinamentos da tradição Nyingma,  veiculados no Brasil através do  CEBB, Centro de Estudos Budistas Bodisatva. A maior parte de informações contidas  neste texto provém dos ensinamentos do  lama Padma Samten , complementados por comentários  do  prof. Alan Wallace  e das tutoras do programa  para formação de facilitadores do CEBB, Jeanne Pilli e Márcia Baja.

Um resumo histórico

Conforme palavras de  Joseph Campbell, estudioso das mitologias comparadas, “ é impossível reconstruir o caráter,  a vida e a verdadeira doutrina do homem que se tornou o Buda”. Supõe-se que tenha vivido entre 563 a 483 a.C., entretanto sua mais antiga biografia  consta do cânon páli e começou a ser escrita no Ceilão( atual Sri Lanka), apenas em 80 a.C. , portanto já  permeada  com muitos  componentes  míticos. Trata-se de uma biografia arquetípica de um Salvador, cujo conteúdo se  mostra extremamente similar em inúmeros aspectos  com a história  de nascimento e vida  de Jesus,  escrita mais de 5 séculos depois.  (cf. Joseph Campbell  em  “as Máscaras de Deus”, vol.Mitologia Oriental, pgs 203 a 205).  Em síntese,  não importando  se verdade histórica  na Índia  de 2.600 anos atrás ou se surgido a partir de lendas,  o Budismo tal como hoje é difundido em  diversos países asiáticos e mais recentemente no Ocidente,  surge  como um movimento de consciência para o reconhecimento e a liberação do sofrimento  humano a partir dos ensinamentos do Buda Sakyamuni  , identidade  amadurecida ou  iluminada  de   Sidharta Gautama,  príncipe da linhagem dos Sakyas, filho do rei Suddhodana da Dinastia do Sol.

Em várias versões de sua história , conta-se que o  jovem  Sidharta,  apesar de   cercado de conforto e  facilidades  em companhia  de uma bela  esposa e  tendo já um  filho recém nascido,  contrariando a vontade do rei que o protegia da realidade mundana,  sai um dia a  passeio  para fora do palácio e  é abalado pelo constatação de inúmeras  mazelas humanas. Diante da  inevitável  perspectiva do confronto  com as doenças , a velhice  e  a morte , movido pela necessidade  de respostas existenciais, Sidharta  decide  partir em peregrinação ao encontro de sábios da época , abandonando sua  vida  de príncipe. Após 7 anos  de práticas ascéticas nas florestas e  frustrado por  reconhecer  a inutilidade de tais esforços, acaba  por afastar-se dos monges que o acompanhavam  isolando-se  em silêncio meditativo  ( neste trecho da lenda, é  forte  a semelhança com os  relatos cristãos dos 40 dias de Jesus  passados  no deserto). 

Sentado sob a copa de  uma árvore bhodi ,  Sidharta   vê-se  confrontado com  o demônio Mara, Senhor da  Roda da Vida  e representante  da impermanência .  Por manter-se  em sua  pratica meditativa,  Sidharta   não responde   a qualquer fenômeno  percebido interna ou externamente  e , por fim,  acaba por  reconhecer  na figura de Mara  e em suas e  tentativas de   subjuga-lo   pelo  apego aos prazeres  ou  a  enfraquece-lo  através do medo,  os equívocos da mente construtora de maya (o mundo de  ilusões).  Vendo-se  agraciado de  forma natural e espontânea   com  uma visão interior(insight)  de liberdade plena,   a partir deste momento   atinge  a condição de Buda, cujo significado é  “o  Iluminado”, ou  seja,  aquele que despertou dos sonhos  criados pela mente deludida .

Uma vez  dotado de lucidez,  compreende  a impermanência  como condição de todas as coisas construídas  e infere  os meios hábeis  para  se obter liberdade diante de Samsara (a experiência cíclica do nascimento à morte ) ao reconhecer  a relevância de  4  nobres verdades  e um  caminho óctuplo de ações no mundo.  Reconhece  a natureza última e ilimitada  da mente  como  subjacente a todo e qualquer  fenômeno  e compreende essa essência  prístina  como vazia e  ao mesmo tempo luminosa , com  infinito potencial criativo (natureza  vajra),  eternamente presente, viva   e com  propósito compassivo e amoroso. 

Emanando as qualidades  advindas dessa Sabedoria Primordial, o  Buda levanta-se  e  passa a caminhar em direção às pessoas  (Thathagata- aquele que assim se foi),  dedicando  o restante de sua vida  a oferecer   ensinamentos em benefício de todos os seres a fim de que  também  se libertem dos sonhos  de sofrimento gerados em  Samsara. 

O Buda Gautama, tendo ensinado por 46 anos, termina sua jornada terrena  aos 80 anos de idade, revelando  aos seus discípulos   que  a Vida  é UNA,  eterna  e  sem opostos,  e  que  todos os  seres  sencientes, enquanto expressões de Vida,  experimentam  somente   processos de construções  mentais    de natureza  impermanente  chamados  de Bardos (  constituídos  em número de  6:   o Bardo da Vida,  dos Sonhos,  da  Meditação,o  Bardo da  Morte,  Pós -morte  e  do  Renascimento) .  

Nos relatos sobre seus diálogos com os discípulos, estas foram as últimas palavras a ele atribuídas :  “Manifestei um corpo de sonho, para beneficiar seres de sonho, imersos  em um mundo de sonho. Eu não vim e eu não vou.”

Os ensinamentos do Buda Gautama  continuaram a ser transmitidos de forma  oral  por  seus mais de 500 discípulos. Assim foram sendo constituídas  várias linhagens a  se espalharem  para diversas regiões do Oriente.  Surge   o budismo chinês, levado pelo monge  Bhodidharma  por volta de 520 a.C. ;  o  budismo  japonês  emerge  com várias vertentes , entre elas ,  o zen budismo a partir  do séc. XI d.C  com  suas subdivisões, todas de  influências  taoístas  advindas do Ch’an chinês . Ainda no Japão  uma outra ramificação  surge no século XII d.C com ensinamentos do  monge Nitiren.   No Tibete  o budismo tem um período áureo  sob as influências  do imperador indiano  Ashoka (268 a 232 a.C.),considerado  como  o 1º rei budista. Por volta do  século  VIII  d.C  estabelece-se  entre os tibetanos  a linhagem Nyingma (literalmente significando antiga), introduzida por Padmasambhava  ou Guru Rinpoche , tido  para este povo como  o 2º Buda, emanação direta do Buda Sakyiamuni.   Até o final do século X d.C,  mais 4 linhagens tibetanas  se estabelecem  segundo o estilo de seus diferentes  professores. 

Mais recentemente, no ocidente,  o lama Chagdud Tulku  Rinpoche ( refugiado  da invasão  comunista chinesa  no Tibete em 1959)  traz os ensinamentos Nyingma , a princípio para os Estados Unidos  em 1979 e posteriormente para o Brasil, no ano de 1995, tendo no lama Padma Samten (brasileiro, físico de formação acadêmica e criador do Instituto Caminho do Meio e CEBB- Centro de Estudos Budistas Bodisatva, em Viamão,RS.) um de seus maiores divulgadores.

Por volta do século II d.C, os textos  budistas  passaram  a ser veiculados  a partir de  2 abordagens  distintas:   Hinayana (veículo inferior) e Mahayana  (grande veículo) , onde  os adeptos da primeira escola  buscavam  essencialmente por  uma  libertação pessoal,  enquanto  que os praticantes mahayana  procuravam  conduzir todos os demais seres à liberação de Samsara.  A partir de então,   surgem as figuras  dos bodhisatvas,  praticantes  inspirados pelo Buda da Compaixão , Chenrezig ( tibet.) ou Avalokiteshvara(  sânscr..), que hoje têm  em Sua Santidade, o Dalai Lama,  da tradição  Gelug, seu grande  líder espiritual e protetor de todas as demais tradições tibetanas, incansavelmente  motivado  em   difundir  uma  visão de Responsabilidade Universal  ou  seja, a construção de uma Cultura Global  de Paz. 

Curiosamente, ainda com relação ao Tibete, há relatos de  que práticas pré-budistas já floresciam  há  mais de 17 mil anos  através de uma   tradição  xamânica  conhecida como  Religião Bon. Esta antiga tradição ainda   hoje possui muitos  adeptos  sendo conhecida  nos tempos  atuais como Budismo Bon  e encerra uma visão  bastante convergente com a  linhagem  Nyingma ( pertencente ao  Budismo Vajrayana  ou esotérico - extensão da abordagem mahayana) . 

Nos tempos atuais torna-se possível superar  muitas estruturas de preconceito  ao se compreender que o termo Buda não se refere a alguém, nem  mesmo  que seja  algo ligado ao budismo, mas tão somente  um indicador   da operação livre da mente a partir da sua natureza primordial ilimitada.  Neste contexto, o Budismo não precisa  necessariamente ser considerado como religião ou filosofia, nem como ciência da mente como hoje muitos adeptos propõem , mas tão somente como um método para se atingir tal estado de liberdade frente às  realidades construídas artificialmente. Dentro deste mesmo raciocínio  podemos  considerar  vários mestres de inúmeras tradições religiosas como sendo verdadeiros Budas : homens e  mulheres   a servirem de inspiração  aos praticantes, independente  da  época em que viveram ,  de  seus locais de origem ou  se suas histórias   verdadeiramente se basearam  em fatos ou  se foram construídas através de lendas.

O pilar budista

O que torna o budismo fascinante nos dias de hoje  é que,  apesar de origem  milenar, sua  visão  de mundo  baseada na vacuidade, unidade , não causalidade e não localidade  tem  encontrado   convergência com  muitos  elementos  atuais  trazidos pela física quântica, tais como  os conceitos de campo unificado, saltos quânticos, bootstrap  e  coemergência  diante da  inseparatividade entre observador e observado  (fator  que tem  reforçado  a  compreensão  de  que o mundo que nos  circunda é inseparável de nós mesmos).   Por  outro lado, a meditação como eixo de suas práticas tem tido o  interesse e o apoio da moderna neurociência  que, em pesquisas  de laboratórios,  vem encontrando uma série de  correlatos neurais  às referências  de praticantes quanto aos efeitos  da meditação.  Sofisticados  exames de neuroimagem  têm sido utilizados para revelar  fenômenos  de neuroplasticidade,  enquanto exames bioqúimicos  têm evidenciado  alterações significativas  na fisiologia dos neurotransmissores. Estudos através de  instrumentos de neurofeedback  vêm demonstrando  a reorganização e sincronização das várias  ondas cerebrais  com a eliminação de “gaps”  entre elas, a se traduzirem em conforto psíquico e físico nos  meditantes.  Desta maneira, os efeitos surpreendentes  das práticas contemplativas na requalificação das emoções humanas com consequente mudanças  nas experiências  interpessoais , aliados  a uma abordagem educacional voltada para os  valores humanos fundamentais como amor , compaixão, equanimidade e paz ,  têm  feito do budismo uma tradição de crescente interesse em todo o mundo, particularmente entre os ocidentais.

Metodologia

A perspectiva  Dzogchen , a Grande Perfeição ( - um sistema de prática Mahayana   encontrado nas primeiras tradições  Nyingma e Bon, cuja base é a tríade  visão-meditação -ação).

Antes  de serem abordados os aspectos  principais das práticas meditativas e de nossas  ações dentro da sociedade, torna-se fundamental   compreender  a importância da  nossa  visão de mundo na  sequência desta  tríade.  Tem sido reforçado pelos mestres que, sem o desenvolvimento de  um outro olhar  sobre nós mesmos,  sem  reflexões sobre  as configurações  do mundo  e  como  nos  experimentamos  como criadores de nossas realidades, os esforços de meditação gerados por falsas expectativas e pelo  autocentramento,  a despeito de possíveis  resultados naturalmente positivos, tenderão a nos  levar, enquanto praticantes , ao cansaço, ao desânimo e  à criação de outros elementos ilusórios  capazes de consumir nossas energias na  construção de inúmeras outras “bolhas” , cópias maquiadas de samsara, ou seja, de inúmeros outros sonhos de realidade induzidos por antigos condicionamentos , em conjunto com os   esforços inócuos em  dar-lhes solidez e sustentação (materialismo espiritual).  Sem  que nos dediquemos  a trabalhar  com afinco  na ressignificação de muitas de  nossas crenças a fim de construirmos  em nossas mentes uma base  capaz de nos induzir  a uma motivação  verdadeiramente  voltada para uma experiência de vida  focada na unidade e no amor universal , qualquer resultado obtido  estará  apenas  mudando as cores  superficiais de samsara  sem atingir, de fato, sua raiz  geradora de sofrimento .

A visão

Para o budismo, portanto,  aquilo que se constitui Samsara, a experiência cíclica da vida, se deve a  uma construção mental  automatizada e responsiva  compreendida como Avydia( em sânscrito: falta de visão, ignorância ou desconhecimento) ou Ma-Rigpa (em  tibetano ), geradora de  experiências de separatividade.  

A mandala da Roda da Vida   pictoricamente  tem seu centro  representado  pela interação de  3 animais : o javali , como expressão da própria  ignorância em si, constituindo  uma identidade reificada; o  galo,  representando  os apegos e ambições  ligados às necessidades de sustentação desta identidade e a cobra, símbolo  da raiva,  quando tais desejos  são frustrados e tornam-se  infrutíferos (os 3 venenos da mente: ignorância, ambição e raiva).   A seguir,  partindo  deste 1º núcleo central surge o desenho  de  um novo círculo  a representar   6 reinos   de experiências  mundanas  que evidenciam   padrões emocionais  básicos através dos quais a mente mantém  a roda em movimento .  No 1º desses reinos,   chamado de  reino dos deuses,  predominam  experiências de mundo  repletas de facilidades  e bem aventuranças capazes de induzir  os seres  ao orgulho; no reino dos semideuses ou dos  asuras (guerreiros), surgem   também  situações  de poder, porém sustentadas  por  competições e inveja ;  no reino dos humanos, os seres se vêem  arrastados por  experiências de desejos e esforços;  no reino dos animais surgem dificuldades que despertam  a  preguiça, indiferença  e o culto ao hedonismo ;  no reino dos fantasmas famintos as experiências  se dão no enfrentamento de  situações de carência  e   no surgir de diversos vícios ;  finalmente, no reino dos infernos, dá-se  o encontro  com a  violência, o ódio e os medos.  O último e maior círculo da mandala  representa os 12 elos de originação interdependentes, o caminho percorrido pela mente deludida para dar concretude  às experiências de vida. Por fim , o desenho   termina  com  a figura de Maharaja  ou Mara ,o senhor da impermanência, por detrás da roda a  sustentar  todo o processo.

As 4 nobres verdades   
Os conceitos de Karma,   Vacuidade e Luminosidade 


A esse  intenso  trabalho  da mente  através dos 3 animais , 6 reinos  e 12  elos  para  manter o giro da roda ,  chamamos de  Karma.    Naturalmente ,  as ações cármicas,  caracterizadas por incessantes  tentativas  de  defesa aos “javalis” continuamente  ali gerados,  acabam por se constituir   como a origem de  dukkha (  sofrimento)  e são a base do enunciado da 1ª nobre verdade  elaborada por Buda.  Em sequência, surgem os pontos principais  capazes de  devolver à mente  uma condição de  lucidez  e a consequente  libertação dos jogos dentro  de Samsara . Estes aspectos estão na  compreensão direta  de que o sofrimento  não é algo sólido, mas sim  uma condição  construída  e sustentada  por apegos e aversões  (2ª nobre verdade)   e que  assim sendo,  pode vir a ser desconstruído (3ª nobre verdade)  através da prática de um caminho óctuplo (4ª nobre verdade) que culmina  na constatação de que a  Vida  (e  portanto, nossa própria natureza básica )  nada mais é do que  Pura  Consciência , uma  natureza primordial misteriosa, incessante e livre , vazia em sua essência, porém  de infinito  potencial  de manifestações ( luminosidade),  capaz de  gerar   indefinidamente  novas  formas, percepções, sensações, formações mentais  e  novas  consciências ( 5 skandas, ou agregados).  Para facilitar a compreensão de tal conceito , uma analogia  pode ser feita  com a imagem de um arco-íris : do mesmo modo que podemos entender a luz como um fenômeno eletromagnético único mas com potencial de se manifestar  em   várias  cores  ( ou espectros de luz) ao  atravessar um  determinado  prisma (e  cada um desses espectros  com  suas diferentes características e propriedades distintas , porém , todos  em essência a  constituir  a mesma luz),  assim  ocorre com a  Consciência Una,  que  ao escolher  filtrar-se  por  certos elementos  prismáticos, passa a se manifestar  em espectros de consciência (cf. Ken Wilber).

No  nosso caso,  poderíamos enxergar o  prisma  como sendo  um SNC humano, e  cada um de  nós, homens ou mulheres, um desses “espectros”,  a manifestação individualizada da mesma Consciência.  Assim como  podemos compreender  que  um arco íris  não é algo que possua substância , não se trata de  um objeto concreto  escondido atrás das nuvens aguardando o surgimento do  sol, mas apenas um fenômeno dependente de múltiplas condições e circunstâncias (cf. Joseph Goldstein em “ One Dharma”), poderíamos  também  entender que  nós  não temos  real substancialidade, apenas  constituímos um fenômeno “sui generis”,  de raras qualidades, a representar  somente   uma construção transitória e sem solidez  criado intencionalmente  pela  projeção  luminosa  da Mente primordial.

De acordo com o prof. Alan Wallace, estudioso do budismo, monge ordenado pela S.S, o Dalai Lama e fundador do  Santa Barbara Institute for Conciousness Studies ,Ca,   seriam  três  os   níveis da  mente:


1. Rigpa, ou  Consciência Pura, Natureza de Buda ou Mente primordial , Fonte original da Vida ( e portanto, permeadora  das demais consciências). 

2. Consciência substrato  ou Alayavjnana,   constituída  como um  depósito de  marcas cármicas de todos os seres,  humanos ou não ( metaforicamente, poderíamos imaginar rigpa como água e alayavjana como pedras de gelo)              

3.  Mente comum ou psique,  uma consciência individual configurada  através de  identidades  construídas ( tais como as que constituem  várias espécies de seres sencientes , e no caso humano,  acrescidas por  aptidões profissionais, crenças religiosas,  papéis  sociais e familiares , etc...)

Desta maneira, na nossa humanidade e considerando-se  a experiência do bardo da vida, sempre que o cérebro passa fisiologicamente  a funcionar em “stand-by” para o resguardo da vida biológica, a  mente comum  termina por se dissolver  na mente  substrato ressurgindo  novamente nos sonhos(bardo dos sonhos)e também quando despertamos.  Ao final da vida constituída  pela materialidade do corpo físico (bardo da morte),  a mente  também se dissolve no substrato e, neste caso, não havendo gerado lucidez ( bardo da meditação)  quanto a sua verdadeira natureza,   as operações mentais  de avydia  ou ma-rigpa  produziriam  outros impulsos  capazes de nos levar a aspirar por um novo corpo(bardo do pós morte)  para finalmente  nos  manifestarmos na forma de uma  nova  existência (bardo do renascimento).

Deste modo, segundo A. Wallace, o que seguiria  de uma vida para a outra ( diferente de outras abordagens reencarnacionistas ) não é  uma  determinada  personalidade  específica,  mas  apenas  a  consciência substrato e o  prana dentro de um  continuum mental.  Os mestres  considerados realizados  podem acessar essas marcas  de alayavjnana com facilidade  e desenvolvem habilidades em  interferir  conscientemente em todo o processo de morte e renascimento, enquanto tornam-se  possuidores de   determinados  poderes  em vida  a fim de criarem  meios hábeis  para  trazer benefícios aos seres.

Assim, aprofundando nossa compreensão, a  noção de vacuidade não precisa ser niilista e mal humorada.  Podemos , de forma lúdica, observar que é possível construir identidades e levá-las a interagir umas com as outras, compreendendo-as como  uma simples  configuração de energia  sem que  fiquemos presos aos impulsos dos 5 skandas  e  sem  nos apegarmos  aos  movimentos que criamos. Não é preciso darmos a essas energias  concretude a  ponto de se manifestarem  como se tivessem vida própria ( ao que Eckhart Tolle chama de “corpo de dor”).

De um  modo geral,  o conceito de  vacuidade  poderia  ser apreendido  por nossa mente  comum  através de 3 maneiras distintas :

1) pela  lógica  do pensamento científico ao  se desconstruir , passo a passo,  objetos  materiais. Como exemplo,  poderíamos analisar  uma pessoa vendo seu corpo e decompô-lo  em  seus diversos sistemas e órgãos, sucessivamente  fragmentando-o  em tecidos,  células, componentes químicos  constituídos por  moléculas , átomos , partículas, subpartículas, até a constatação final de um vasto espaço  a constituir  um campo unificado  de infinitas possibilidades de manifestação  por meio de colapsos de ondas.

2) pelo significado livre dado ao objeto. Como  exemplo , uma vara de madeira seria  vazia em seu significado,  porém, para um cupim passaria  a se constituir em  alimento, para um carpinteiro, material de trabalho, para uma criança, um objeto de castigo.

3) pelo entendimento da  coemergência- aquilo que surge diante de nossos olhos existindo  como  reflexo de um conteúdo interno prévio. (ex: um templo religioso não passaria de uma construção de tijolos e cimento se não fosse o senso interno do sagrado presente na mente de um devoto) .

Interessante notar que o filósofo alemão  Immanuel Kant (1724-1804), em sua obra “Crítica da razão pura”, provavelmente sem ter conhecimento  da perspectiva budista , já utilizava uma visão de vacuidade. Conforme palavras de Marilene Chauí, Kant via  “a razão como  uma estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdos. Essa estrutura (e não os conteúdos) é que é universal, a mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. Essa estrutura é inata, isto é, não é adquirida através da experiência. Por ser inata e não depender da experiência para existir, a  razão é, do ponto de vista do conhecimento, anterior à experiência. Ou, como escreve Kant, a estrutura da razão é a priori (vem antes da experiência e não depende dela).E continua Chauí: “o que importa é que nada pode ser percebido por nós se não possuir propriedades espaciais; por isso, o espaço não é algo percebido mas é o que permite haver percepção (percebemos lugares, posições, situações, mas não percebemos o.próprio espaço). Assim, o espaço é a forma a priori da sensibilidade e existe em nossa razão antes e sem a experiência.”. (Trata-se de um pensamento muito próximo à noção de maya  no hinduísmo).

A prática

Para praticarmos aquilo que o conhecimento budista nos convida a explorar , necessariamente não necessitamos de templos ou locais especiais, embora possam ser bastante enriquecedores. Estar onde estamos  passa a consistir a nossa prática. Diante das dificuldades aparentes voltar-se para   dentro  e  fazer o treinamento  a fim de flagrarmos  as falhas sutis de nossa visão,  enquanto vamos  aprendendo a criar espaço entre nossos impulsos de escolher ou fazer coisas. Assim vamos  nos movendo no lugar onde as pessoas estão , sem querer impor nada, acolhendo-as, amando-as. Tendo compaixão. Ajudando-as a se libertarem de Samsara.
(segundo as palavras de Buda  a Subhuti  no “Sutra do Diamante”,  texto sobre as 6 paramitas ou perfeições:    “aqueles que tiverem sua fé despertada  ao ouvir  as  sentenças e seções  desta Escritura irão acumular bênçãos e méritos inestimáveis”).

O termo  “espiritual”  vem do latim spiritus, que significa “sopro”  e nos remete  não só à ideia do movimento do ar como  também  à  visão  da  criação do universo (o “sopro divino”).  Através  dessas considerações,  espiritualidade torna-se   não  propriamente um conceito religioso, romântico ou metafísico mas somente  uma indicação de  um  grande  movimento criativo, onde todos, sem exceção  estamos inseridos.   Por isso  podemos considerar que toda a Vida  seja de natureza  espiritual, pois  TUDO É  MOVIMENTO.   A visão Vajrayana  reconhece  a Mente Primordial como origem fundamental  de todo  movimento  e  vê na  luminosidade da nossa  mente  comum  a capacidade  também de movimentar energia  e criar . Tudo  aquilo que  experimentamos e conhecemos  como criação surge de 5 movimentos  básicos  do prana, energia vital, chamados de  lungs (=ventos ou energias), todas  qualias provenientes da natureza primordial. São eles, o  éter ou espaço, o ar,  o fogo,  a água e  a terra.  O  domínio sobre esses movimentos torna-se a base de  tudo que pode ser criado . Deste modo,  o segredo para  a  conquista de  liberdades diante de samsara  estaria  em  devolver à  mente  o poder  de perceber e  estabilizar  conscientemente   os 5 lungs.  

Daí a origem das várias yogas, métodos de integração de corpo e mente  desenvolvidos por alguns  mestres,  cujos estágios finais  sempre  terminam na meditação - a única prática capaz de gerar em nós  habilidades na percepção  e na condução das energias. Com constantes  práticas meditativas poderemos proporcionar relaxamento ao corpo regulando funções orgânicas  e gerar em nossas mentes  atenção e foco  para, com mais facilidade, notar  a plasticidade  presente na nossa dinâmica bioenergética assim como no ambiente  ao  nosso redor, e  deste modo desenvolvermos habilidades em estabilizar as energias e direcioná-las com propósitos específicos.  Pouco a pouco nos tornaremos capazes de perceber  quem é o observador,  o que é o observado  e compreenderemos  qual é o  olhar que vê o que não está efetivamente na sua frente. Veremos  como é  interessante encontrar  e sentir  pessoas queridas dentro do silêncio, entenderemos como  a mente vê a mente, para finalmente  reconhecermos  que sujeito e objeto( “observador” e “observado”) ocultam o verbo (  “o observar”),   uma Presença, um Presenciar (“e o Verbo se fez carne..”),  uma  natureza livre, transcendente à  mente,  energia, corpo e paisagens  de mundo criadas,  a operar todos os fenômenos.  Este será o estágio final das yogas, chamado samadhi-  o despertar para  a calma do nirvana(v. sign. em textos complementares , no final do artigo).

Compreenderemos de modo profundo que  tudo aquilo que surge em nossas experiências humanas  só pode vir da natureza primordial - nada há senão ISSO (  cf. antigo axioma Sufi: “nada há,senão Deus”)  ;  Tat tvam asi- epigrama sânscrito significando “Tu és isso”.  Luminosidade espacialidade,  energia   são magias  do  espaço sutil onde a realidade está  eternamente presente.

Após  repetidas práticas, poderemos nos tornar  hábeis em  perceber  que  aflições surgem somente como  um  impulso de sustentar um  mundo de sonho  e que  ansiedades , preocupações e impulsos de resolvermos  problemas através do cômputo de  ganhos e perdas nada mais  são do que  resquícios de energias cármicas  em atividade. Tais energias certamente  são desgastantes, perceberemos que  possuem peso ,  NOS MANTÉM OCUPADOS, com enorme potencial  de gerar distúrbios  psíquicos e desconfortos orgânicos, porém,  passíveis de serem dissolvidas quando imersas na energia primordial  (assim como uma simples  gota  d’água  ao se dissolver no oceano torna-se  o próprio oceano). 

O sintoma natural da visão aberta e da dissolução dos apegos ao ego passa a ser  a leveza, o relaxamento, o destemor ;  nos sentimos  em paz  e sempre prontos,  DISPONÍVEIS  à Vida. E  assim fluímos, nos permitimos, entregamos o nosso  forte  hábito do controle nas  ações cotidianas . Ao desenvolvermos uma visão ampla e, através da meditação,  passarmos a estabilizá-la, somente então nos empoderaremos (empowerment : termo amplamente  utilizado pela psicologia transpessoal) de forças efetivas para  construir nossa realidade através de ações apropriadas e poderemos  seguir em fruição  pela vida,  sem esforços.  A partir desta nova perspectiva,  tudo passa a surgir de modo espontâneo,  proveniente  da vacuidade.

A dança dos fenômenos criados pela mente  começa  a brotar  do elemento  éter :  nesse  espaço infinito de disponibilidade surge um brilho criativo em nossos olhos; dos olhos brilhantes  (janelas de alma) surge o ânimo e com isso nos  INSPIRAMOS ; inspirando , acessamos  o elemento  ar;  este  por sua vez, alimenta o elemento  fogo  a gerar  o calor, que em sequência,  torna-se  combustível  para o  elemento  água,  capaz de nos colocar  em movimento e ação para, finalmente,  a partir de nossos atos, consolidarmos   nossas experiências no plano material ( ativação do  elemento terra).

Neste contexto, o corpo, através do SNC  manifesta-se como  apenas um veículo da mente. O mundo surge como  uma experiência de nossos sentidos - não existe mundo sem  uma consciência de mundo. Do ponto de vista da evolução biológica, um sistema nervoso  central com limitados recursos de percepção sensorial traria à mente limitadas experiências de mundo. Por outro lado, um cérebro  melhor capacitado serviria  apenas  como um melhor  instrumento  a  mover os lungs  e  não para criar consciência pura.

Técnicas de meditação

Shamata (impura e pura); Mettabhavana  e  Prajnaparamita (vypassana).
Após considerar que toda a experiência de mundo se refere  à construções de sonhos a partir de  uma  Mente primordial , porém,   envolta pelos  véus de Avydia,  podemos compreender melhor o objetivo de cada uma das práticas meditativas:

Com Shamata, nos habilitamos a desacelerar  o sonho. Através de Mettabhavana, interferimos  positivamente no sonho e  com Prajnaparamita  podemos acordar do sonho, vivendo plenamente  a natureza fundamental da mente.

Segundo o lama Samten,  o  foco  inicial  das práticas não está em criar estados particulares de mente, mas prioritariamente   conseguir  criar estabilidade  a fim de caminharmos  em direção à vacuidade, que é o embrião de sabedoria. Só assim poderemos eliminar os obstáculos gerados  carmicamente  e mudar a configuração de samsara , transformando-a em “terra pura”.  Esta torna-se  a função básica de Shamata (Quiescência),  cuja base é a não responsividade  da mente  a  quaisquer fenômenos, sejam estes  externos ou internos. A quietude  se torna geradora de  foco, o foco  passa a estabilizar  a energia.

Shamata impura:
Inicia-se com o ajuste de postura (conforto e estabilidade):

1) posição sentada
2) postura das pernas em lótus ou semi lótus
3) coluna ereta
4) mãos  sobre o baixo ventre,  dispostas uma  sobre a outra, palmas abertas, polegares se tocando formando um círculo (mudra da equanimidade)
5) olhos a 45 graus  ou olhar  à frente (preferencialmente mantendo os olhos abertos)
6) ponta da língua tocando o palato,  logo atrás dos incisivos  superiores
7) boca fechada ou levemente entreaberta,  um leve sorriso .

A atenção  ao movimento respiratório  espontâneo ou para  as  diferentes partes do corpo  não se torna  distração : estamos no foco de um determinado objeto. Aguçamos a percepção da existência de um fluxo de energia a percorrer o corpo   mas nos desligamos do que ocorre ao nosso redor. (Ao final da prática tendemos a não nos lembrar do que se passou ao redor).

Shamata pura:
Os mesmos passos iniciais anteriores. Porém, estendemos nossa atenção  e aguçamos nossos sentidos  físicos,”escaneamos” todo o ambiente,  mantendo o foco  da mente  em um estado de  presença, de modo a impedir  que  ela venha a ser  arrastada por pensamentos ou imagens. Há consciência plena  de tudo aquilo que surgiu durante os momentos de prática.

Mettabhavana (metta= amor /bhavana=meditação).  Esta técnica  surge como instrumento  intermediário para  pacificar nossas relações interpessoais  distorcidas, pois de outra maneira  nossa mente continuaria  presa  aos impulsos gerados por sementes cármicas  perturbando  o fluir da prática e nos impedindo  de avançar.
Fazemos uma relação de pessoas com as quais tivemos problemas. Adicionamos também pessoas queridas e incluímos a nós mesmos. Mentalmente proferimos:

1) Que ( nome)  seja feliz
2) Que se afaste do sofrimento
3) Que encontre as causas da felicidade
4) Que reconheças as causas de sofrimento
5) Que atinja a liberação do carma  e de toda negatividade
6) Que alcance lucidez
7) Que desenvolva a capacidade de trazer benefício aos seres
8) Que encontre nisso seu equilíbrio e paz

Prajnaparamita (prajna= sabedoria/ paramita= perfeição) . O  potencial da  criação de sonhos lúcidos (e lúdicos): a compreensão definitiva da Vacuidade e da  Luminosidade da Mente
Recitamos o mantra: OM GATE  GATE  PARAGATE  PARASAMGATE  BODHI  SOHA
(atravesse,  atravesse,  atravesse além, atravesse mais além e a iluminação se faz)
Contemplamos a confiança na visão através da  essência do  Sutra da  Perfeição da Sabedoria :
(Prajnaparamita - ensinamentos do Buda ao discípulo Sariputra)

“Forma é vazio; vazio é forma. Forma nada mais é do que vazio, vazio nada mais é do que forma. Do mesmo modo sensação, percepção, formação mental e consciência são vazias, assim como todos os darmas são vacuidade. Não tem características. São  não nascidos e não cessam. Nem impuros, nem livres da impureza. Nem decrescem nem crescem. Portanto a vacuidade não tem forma, sensação, percepção, formação mental, consciência. Não tem olhos, ouvidos ,
  Buda do       Templo Mahabodhi, junto ao local onde Sidarta alcançou a iluminação em Bodhgaya, na Índia.
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