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O poder da mente vazia
Novos estudos comprovam o poder terapêutico da meditação. Resultado: a
técnica oriental começa a ser utilizada pela medicina em uma série de tratamentos

JOMAR MORAIS
01/2001
Cena 1: O salão do Sports Club Los Angeles é amplo, despojado e, sobretudo, silencioso.
Muito silencioso. Um ouvido apurado talvez percebesse ali o sopro suave de pulmões
inspirando oxigênio, expirando gás carbônico. Nada mais que isso. Também não há mobília,
apenas pequenos tatames com almofadas ao centro, enfileirados como poltronas em um
auditório. O ambiente é peculiar. E não apenas pelo fato de ficar em Los Angeles, uma das
cidades mais barulhentas e poluídas dos Estados Unidos. Dentro do salão há dezenas de
pessoas sentadas, imóveis sobre os tatames, pernas cruzadas e olhos semicerrados.
Desafiam o corpo e a mente numa atitude de profunda contemplação interior. Acredite: cada
uma delas pagou 1 295 dólares para ter acesso ao local e a cada mês desembolsa outros
130 dólares para fazer absolutamente nada por algum tempo.
É verdade que não se trata de um grupo qualquer. Entre outras figuras consagradas pela
mídia, ali estão Earvin Johnson Jr, o Magic Johnson, um dos maiores jogadores da história do
basquete americano, a atriz Sarah Gellar, do seriado de TV Buffy caça vampiros e o filme
Pânico II, executivos, profissionais liberais. Ainda assim, a imagem de alguém pagando tão
caro para não receber nada palpável nem fazer coisa alguma é algo que impressiona numa
sociedade marcada pelo materialismo e pela agitação. (Ou melhor, impressionava, como
você verá adiante.)
Cena 2: No 9º andar do Hospital do Servidor Municipal de São Paulo, no bairro do Paraíso, a
sala repleta de tatames almofadados lembra, em quase tudo, o cenário de Los Angeles. O
silêncio, o ambiente sereno, enfeitado discretamente com algumas guirlandas. A mesma
assembléia de pessoas mergulhadas em seu oceano interior. A diferença é que nenhuma
delas pertence ao olimpo cultural ou econômico do mundo nem desembolsou um real sequer
para participar da reunião.
Não importa. Ainda que diferentes em termos de fama e dinheiro, o grupo californiano e o do
hospital público paulistano são exemplares de um novo tipo de busca e terapia que cresce no
seio das sociedades ocidentais: a busca da cura de doenças ou simplesmente da paz
interior por meio da meditação.
Esqueça as aparências. "Ao contrário do que se possa imaginar, meditar não é cair na
ociosidade mas ativar a mente", afirma Dean Ornish, professor de Medicina na Universidade
da Califórnia em San Francisco. E o resultado disso, segundo Dean, é positivo para a saúde
e o equilíbrio emocional. Em termos práticos, meditar é concentrar a atenção em uma única
coisa. Pode ser o ritmo da respiração, um mantra - palavras ou sons sem significado
utilizados na meditação budista - ou mesmo o vazio universal. Parece simples - e é. Apesar
disso, poucos desafios são tão difíceis para a mente turbulenta de um ocidental quanto
aprender a meditar. "Não temos consciência de grande parte do estresse que existe em nós
e, assim, vivemos de uma forma mecânica, no piloto automático", diz Jon Kabat-Zinn, diretor
da Clínica de Redução do Estresse do Centro Médico da Universidade de Massachusets. "A
mente agitada está sempre fixada no passado ou no futuro, ao passo que meditar é
concentrar-se no presente".
Quem chegou lá, garante: os benefícios da meditação começam pelo repouso corporal, que
durante o período de concentração é superior ao do sono. "Um homem dormindo consome
seis vezes mais oxigênio do que meditando", diz o pediatra e acupunturista Norvan Martino
Leite, idealizador da Sala de Meditação do Hospital do Servidor paulistano. "Os batimentos
cardíacos diminuem e aumentam no cérebro as ondas alfa e teta, associadas ao
relaxamento". A velha prática oriental de aquietar a mente está se expandindo no Ocidente de
um modo inédito, apoiada em pesquisas científicas que buscam comprovar seus efeitos
benéficos.
A última descoberta, realizada por pesquisadores da Universidade da Califórnia, indica que a
meditação contribui até para evitar o acúmulo de gordura nas artérias - um dado que,
segundo os estudiosos, fecha o circuito de achados recentes sobre a função preventiva da
meditação nas doenças coronárias. Um deles, apresentado no ano passado por cientistas da
Universidade Harvard, inclui imagens do cérebro obtidas enquanto praticantes regulares de
meditação há mais de cinco anos meditavam no interior de câmaras de ressonância
magnética. As chapas atestam que as regiões do cérebro ligadas às emoções e à função
cardio-respiratória mantiveram-se em hiperatividade durante todo o tempo da meditação,
detalhe que para Sara Lazar, coordenadora do estudo, tem importância fundamental. "Elas
comprovam o que os meditadores dizem sentir e mostram que a meditação promove
alterações quantificáveis no organismo", diz a pesquisadora.
Estudos realizados em outras universidades americanas, entre as quais Stanford e
Columbia, já haviam evidenciado anteriormente que meditar ajuda a baixar a pressão arterial
e reduz a produção de adrenalina e cortisol, dois hormônios que atuam nas situações de
estresse. Além disso, a meditação estimularia a produção de endorfinas, espécie de
tranqüilizante e analgésico natural fabricado pelo cérebro. (As endorfinas são responsáveis
pela sensação de leveza experimentada em momentos de contentamento.)
A suposta capacidade de prevenir doenças coronárias com tão pouco esforço - outra forma
de levar o corpo a reagir dessa forma é suar na academia de ginástica ou praticando
esportes -, despertou o interesse até do governo do Estados Unidos, através do Instituto
Nacional de Saúde. O órgão patrocina, desde o ano passado, uma pesquisa de 17 milhões
de dólares sobre o emprego de meditação transcendental no tratamento e prevenção da
hipertensão entre negros americanos. Se os resultados forem positivos, a meditação poderá
integrar as futuras políticas de saúde americanas.
O ritual meditativo começou há 2 500 anos na Índia e foi, depois, difundido na Ásia pelos
monges budistas. Despido de seu caráter religioso, transformou-se numa das técnicas
novas mais populares no círculo médico americano. Na verdade, desde que os Beatles
flertaram com o guru Maharishi Mahesh Yogi, na Índia, há pouco mais de 30 anos, o número
de meditadores nos Estados Unidos jamais parou de crescer. Estima-se que eles sejam 10
milhões atualmente, a maioria gente que aprendeu a meditar em hospitais e clínicas como
complemento a tratamentos médicos tradicionais (Magic Johnson, você lembra, carrega no
corpo o vírus HIV).
É desse grupo também que emergem números sugestivos sobre os efeitos benéficos da
meditação. Veja: entre mais de 11 000 pacientes atendidos no Centro de Redução do
Estresse, da Universidade de Massachusets, os sintomas físicos - geralmente dores,
pressão alta, e problemas digestivos - teriam diminuído, em média, 40% após eles
meditarem duas vezes por dia durante dois meses.
No Brasil, onde seminários de um dia sobre meditação chegam a custar 300 reais, é também
através dos hospitais que a prática começa a se disseminar entre a população. O primeiro
passo foi dado pelo Hospital do Servidor Municipal de São Paulo, há 15 meses. Ali, duas
monjas budistas treinaram uma equipe de 24 médicos nas técnicas de meditação Ch´an
Tao, uma das dezenas de variações da prática, bastante simples, que consiste em o
praticante concentrar-se na própria respiração. Agora, os médicos estão ensinando os
pacientes. Outra experiência, fora do centro-sul, é comandada por um doutor em Física
Teórica pela Universidade de Waterloo, no Canadá - o indiano Harbans Lal Arora - no Hospital
Geral e no Hospital Cesar Cals, em Fortaleza. Segundo o físico, pacientes que praticaram
meditação antes de se submeter a cirurgias perderam 40% menos sangue durante a
operação e voltaram para casa na metade do tempo previsto. Vinte doentes de Aids, também
segundo Arora, apresentaram redução no número de vírus HIV no sangue.
Obviamente, há quem veja com reserva esse súbito interesse da Medicina pela meditação.
Richard Sloan, psicólogo e diretor de Medicina Comportamental do Centro Médico
Presbiteriano de Columbia, nos Estados Unidos, por exemplo, desconfia de que se está
diante de um "fenômeno de marketing", com objetivo meramente financeiro e pouco resultado
terapêutico. "Não há dúvida de que relaxar tem impacto positivo sobre o sistema nervoso,
mas é discutível se isso se é um efeito duradouro para a saúde ou apenas efêmero", afirma.
De qualquer modo, a adoção de meditação como complemento em tratamentos que exigem
a redução do estresse não enfrenta maiores obstáculos na área médica e, por enquanto, tem
o aval dos pacientes. "Há dois anos, eu mal conseguia falar devido a um efisema no pulmão
e à arritmia cardíaca", diz a empresária paulista Edda Dorothy Bragazza, atendida na clínica
particular de Norvan, o pediatra e acupunturista do Hospital do Servidor. "Com a meditação
recuperei a voz e me livrei da arritmia".
Em princípio, meditar não tem contra-indicação, segundo praticantes e estudiosos. "Graças
ao seu efeito relaxante, até pacientes psicóticos podem fazê-lo, desde que sob assistência
profissional", afirma o psicólogo Marlos Alves Bezerra, que acompanhou experiências com
portadores de psicose maníaco-depressiva no Nordeste. O relaxamento, no entanto, é uma
das etapas primárias da meditação, um estágio no qual a maioria dos praticantes costuma
estacionar.
Como processo de autoconhecimento, a meditação profunda nem sempre produz uma
agradável sensação de leveza a cada exercício. O objetivo da prática é limpar as memórias
para que se chegue "à mente vazia, à mente aberta para a vida", ensina Norvan. E isso pode
acarretar, eventualmente, desgaste e mal-estar ao contato com as emoções mais profundas.
Após essa "higienização mental", no entanto, o resultado quase sempre é o amadurecimento
interior e uma vida mais prazeroza, segundo Roger Woolger, doutor em Psicologia pela
Universidade de Londres.
Foi o que descobriu o jornalista Caco de Paula, da revista Veja São Paulo, publicada pela
Editora Abril. Caco atribui a seus cinco anos de prática meditativa a estabilidade emocional
que lhe proporcionou mais paz e um nova maneira de ver a vida. Nesse sentido, a meditação
seria mais do que uma terapia, como lembra Sharon Salzberg, da Insight Meditation Society
em Barre, Massachussets. "É um estilo de vida baseado na disciplina da mente".

Para meditar bem
Atenção: você pode fazer isso em sua casa. E na frente das crianças
Não é preciso atingir o nirvana, o estado de plenitude buscado pelos monges em estados
alterados da consciência, para tirar proveito da meditação. Não é indispensável sequer sentar no
chão com as pernas cruzadas, a conhecida postura de flor de lótus a que se habituaram os
orientais. Você pode meditar em casa, sem sair da poltrona.
Algumas dicas para melhorar sua perfomance meditativa:
Respire fundo. Isso oxigena o cérebro e deixa a mente mais ágil. Se você estiver muito
agitado, expire mais longamente para estabilizar a mente.
Posicione o queixo paralelo ao chão e a coluna ereta com leve projeção das cervicais
para trás, como se fosse corrigir sua curvatura.
Mantenha a língua debaixo dos dentes da arcada superior e o maxilar relaxado. Para
evitar que a boca fique aberta, esboce leve sorriso (Lembra daquele sorriso dos budas?
Trata-se de um gesto pragmático).
Deixe os olhos semicerrados, mirando a 45 graus. Há quem diga que é melhor fechá-los, pois
costumamos empregar 25% de nossa energia psíquica com a visão. Quem defende a primeira
postura afirma que olhos fechados facilitam a visualização e, através dela, a dispersão. Algumas
técnicas meditativas, no entanto, estão centradas justamente na visualização.
Concentre-se na respiração, acompanhando os movimentos do abdomen com uma contagem
regressiva de 10 a 1. Recomeçe-a durante todo o tempo da meditação ou quando pensamentos
desviarem sua atenção. Outra alternativa é entoar mentalmente um mantra, que pode ser uma
única palavra que lhe soa bem. Por exemplo: amor. O resto é deixar fluir.

Por uma mente mais clara
Meditar é simples. Mas só com a prática disciplinada se chega aos melhores resultados .
É quando se alteram a percepção e os níveis de consciência
por Caco de Paula (*)
Há metafísica bastante em não pensar em nada, nos ensina Fernando Pessoa. Depois de
meditar, ninguém é mais a pessoa que era antes. Eu não sou. E só tenho a agradecer por isso.
Observar a respiração, entoar mantras ou simplesmente ouvir o próprio silêncio são ótimos
meios de trazer a mente para casa e agir com maior atenção e serenidade. Submetidos a uma
visão mais clara, alguns problemões são reduzidos à sua real insignificância. Dissolvem-se
como sal na água. Eis porque cada vez mais pessoas descobrem os benefícios das práticas
meditativas.
Os níveis de consciência e percepção que se pode atingir são muito variáveis. Sou apenas um
principiante, mas o pouco que experimentei já foi suficiente para mudar minha vida. Comecei há
alguns anos com ch´an tao, ou zazen, a meditação sentada. Depois, tive a alegria de conhecer
um pouco de budismo tibetano, com sua riqueza de símbolos, mantras, movimentos de mãos,
visualização de imagens e cores. Os vazios do zen, os signos múltiplos do tantra, as surpresas
da meditação ativa e tantas outras técnicas levam a um só caminho: o auto-reconhecimento que
nos permite desenvolver um bom coração e buscar uma vida com maior consciência e
compaixão.
Em muitas delas, pode-se dispensar totalmente os rituais. A meditação é algo muito mais
simples do que parece. Sob certo aspecto, é reconhecer as próprias emoções e transformá-las.
Sob outros, é apenas ser inteiro em tudo o que se faz. A meditação não funciona quando se fala
dela. Funciona quando praticada. A prática é tudo.
O meditador só se aprofunda se quiser se transformar, localizar sua luz interna (todos nós já
viemos com uma, de fábrica - com manual de instruções incluso). Observar-se nem sempre é
fácil, mas os benefícios são extraordinários. Há muitos obscurecimentos que tornam as pessoas
impacientes, raivosas, incapazes de perdoar a si mesmas e aos outros. A meditação nos deixa
menos vulneráveis a esses comportamentos venenosos que, desatentos, repetimos
mecanicamente. Perceber isso é um bom ponto de partida para buscar uma mente mais clara.

(*) Na época em que escreveu esTe texto, um dos destaques na reportagem de JM, o jornalista Caco de
Paula já acumulava cinco anos de prática meditativa.

[Publicado na revista Superinteressante de janeiro de 2001]

PARA SABER MAIS
Na Livraria:
Emoções que Curam, Daniel Goleman (org.), Rocco, 1999
Ch´an Tao - Essência da Meditação, Jou Eel Jia, Norvan Martino Leite e Lilian Fumie Takeda, Editora
Plexus, 1998

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