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ASRELIGIÕES E OSJOVENS
OUTRO OLHAR por Jomar Morais
As pesquisas que se realizam na fronteira da ciência abalam o paradigma materialista realista, ainda dominante no mundo, e poderiam funcionar como um importante recurso para as religiões falarem aos jovens que questionam suas mensagens. O problema é que as lideranças religiosas, apegadas ao dogmatismo, não parecem preparadas nem dispostas a lidar com os novos conhecimentos.
Em viagem sempre visito templos e não o faço apenas para apreciá-los como monumentos e obras de arte. Mesmo na Europa, onde as igrejas cada vez mais parecem museus, busco os templos, sobretudo, para um exercício de introspecção.
Para mim não importa a escola religiosa a que esteja vinculado aquele nicho sagrado. Independentemente da crença e da doutrina, todos os que mergulham numa prática espiritual são caminhantes que avançam para o mesmo ponto de chegada: Deus, o mistério dos mistérios, a essência de nossa essência.
Já orei com muçulmanos em Essaouíra, no Marrocos, corpo curvado, cabeça tocando o chão, e o resultado não foi diferente da plenitude que experimento quando oro em templos católicos, evangélicos ou espíritas - as religiões que nos são familiares. Experimentei o mesmo na Índia, em rituais totêmicos milenares do Hinduísmo no Templo Grishneshwar, próximo a Ellora, e em kirtans às margens do Ganjes, em Rishikesh e em Varanasi. Já me senti integrado a pajelanças em aldeias do Xingu e, claro, também conheço a brasileiríssima Umbanda, onde vi e senti a presença divina na impetuosidade de Ogum e na doçura de Iemanjá.
No mês passado, repeti essa experiência na Turquia, um país no qual 98% da população professa a fé islâmica, e, pela primeira vez, meu êxtase foi perturbado por uma dúvida e um insight.
Percebi que, apesar dos minaretes que assinalam a prodigalidade de mesquitas em metrópoles e vilas e da precisão do canto dos muezins, convocando os fiéis à oração, também o Islã tem sofrido com uma crescente evasão de jovens. Cabeças grisalhas e passos lentos dominam o ambiente das mesquitas.
E por que isso acontece numa cultura que, segundo o clichê veiculado no ocidente, seria guiada por preceitos religiosos, mesmo em estados laicos, como é o caso da Turquia?
As respostas dos próprios turcos não são diferentes das que temos aqui para explicar o divórcio gradual entre a juventude e as religiões organizadas: os jovens estão envolvidos com as novas tecnologias... eles tem muitos planos profissionais e não lhes sobra tempo para o espírito... o ritmo da vida é outro...
Também lá há quem busque resolver essa situação no nível da emoção, reduzindo o desafio a uma questão de “falar a língua dos moços”, tornando a prática religiosa mais vibrante e superficial. Mas, entre nós, esse esforço tem se mostrado infrutífero, pois, no fundo, o desafio da linguagem não se esgota na forma, mas pede a ousadia do conteúdo, numa releitura profunda dos arquétipos - a substância imutável das religiões e de todo o edifício do conhecimento.
As religiões estão vivendo o seu ocaso? Por que elas parecem tão velhas na narrativa oferecida aos jovens? Há um jeito de reescrevê-las? Orando na mesquita envelhecida - penso -, eu vi o novo que nos ajuda a entender o que nunca envelhece.
1. Por que os moços vão embora?
Jovens, como o adolescente João evangelista, foram decisivos para o triunfo do Cristianismo >>>
2. Outro jeito de apresentar a verdade
Nada expressa melhor nossos conteúdos arquetípicos do que a religião. A noção de arquétipo é antiga, surgiu com a filosofia platônica, mas em nosso tempo foi Carl Jung quem melhor soube apreendê-la, tomando-a como uma ideia comum, nascida na zona abissal do inconsciente coletivo, que emerge sob a forma de símbolos ou imagens.
Os arquétipos são duradouros, mas as formas pelas quais se manifestam são passageiras. Elas se renovam e se sucedem no decorrer da saga humana, ajudando-nos a lidar com a nossa dimensão mais profunda e misteriosa, aplacando nossa perplexidade.
Quando percebemos isso, estamos prontos para repetir com o sábio do Eclesiastes: não há nada novo debaixo do Sol. E, no entanto, aquilo que nunca envelhece, por estar além do tempo e do espaço, surpreende-nos continuamente com o seu enorme acervo de fantasias e adereços - os paradigmas e analogias que construímos para entender a matriz informe de todas as formas.
A meu ver, é aí que está o ponto crítico da relação entre as religiões e os jovens. Elas não conseguem atualizar paradigmas e analogias, recontando a mesma história com mais clareza e detalhes, o que acaba passando à maioria a impressão de que se tornaram vazias e dispensáveis.
Não há outro jeito de abordarmos o espírito, a essência, no nível da linguagem. Todos os grandes mestres foram hábeis no uso de analogias (aproximações mentais entre seres e coisas diferentes) para promover o entendimento de nossa dimensão espiritual.
As narrativas do Evangelho, por exemplo, estão repletas de pastores, ovelhas, pescadores, poços e cântaros... imagens do contexto em que viveram Jesus e seus primeiros seguidores, trabalhadas poeticamente em parábolas e apelos de grande densidade. A partir da modernidade, novas escolas religiosas - como a Doutrina Espírita, no século 19 - ensaiaram outras analogias, dessa vez com os conhecimentos da ciência, mas neste início de século 21, engessadas pelo temor de que a atual avalanche de conhecimentos abale suas referências, as religiões parecem desperdiçar, talvez, a melhor chance que já tivemos de aprofundar a compreensão da espiritualidade a partir de analogias com o que nos oferecem hoje a física subatômica, a biologia molecular e, sobretudo, a informática e os conceitos de rede e realidade virtual.
Penso que os jovens, digitais, estão aptos a mergulhar nessas elaborações que os religiosos, analógicos, tem dificuldade de processar, apegados que estão ao seu modelo de universo mecanicista, de céu e inferno localizados, de espírito e matéria separados e de evolução linear.
Para esses é mais fácil “atualizar” a religião mediante a adoção de uma suposta “linguagem dos jovens”, sincretizando-a com a mitologia da fatuidade e do consumo, a grande idolatria de nosso tempo.
3. Além do dogma e do ritual
Cena do filme "Matrix": abordagem vertical de temas espirituais >>>
Para se ter a percepção e a vivência da espiritualidade, basta sabedoria - aquela capacidade de entender e responder aos sinais da vida. Francisco de Assis mal sabia escrever, Maomé era analfabeto e Jesus não frequentou a escola. Em todas as tradições religiosas, e mesmo na filosofia, uma galeria de homens e mulheres sem erudição legou-nos insights fantásticos sobre o universo, o ser e o sentido da vida a partir de sua habilidade de ver além das formas e de estabelecer uma nova relação com as coisas e os eventos.
Qualquer pessoa que repita as condições experimentadas por esses santos e sábios, no laboratório da vida, tem a chance de chegar a achados semelhantes. A questão é que o homem médio, perdido no maremoto da mente e suas pulsões egóicas, dificilmente consegue dar esse salto de qualidade. Nesse nível, aí incluída a maioria dos jovens, faz-se necessário um estágio de aproximação pela via do intelecto, onde as comparações com elementos da experiência “concreta” das formas ajudam a compreender a matriz “abstrata” da existência.
Nesse sentido, vivemos um momento privilegiado. Em nenhuma outra época a ciência nos forneceu tantos dados para inferências e reflexões sobre a dimensão espiritual quanto nos dias atuais.
Os melhores vem da física, cujas teorias da mecânica quântica revelam um universo encantado, no qual a concretude da matéria cede lugar à instabilidade da alternância onda-partícula em manifestações influenciadas pela mente do observador. Ou seja: conforme esse novo paradigma, o universo material é dependente da instância imaterial da consciência, algo que abala pressupostos do paradigma materialista realista e afeta a lógica que filtra nossa observação dos fenômenos e das relações de causa e efeito.
E o que dizer da informática, que tornando corriqueira a noção de código-fonte, matriz de contextos virtuais, remete-nos à inferência do universo como realidade virtual rodando na mente do Criador? Ou das suposições da biologia sobre “inteligência celular”? Ou ainda das descrições da teoria de redes, que nos abrem novos horizontes sobre o indivíduo, o todo e as interações na paisagem sem limite do cosmo?
Esses elementos permitem-nos a construção de analogias mais convincentes acerca da zona de mistério do ser e da vida que chamamos de espiritualidade. Mas, curiosamente, é a arte (o cinema em especial), e não as religiões, que tem usado tais recursos para a abordagem de temas espirituais. Um filme como “Matrix” é uma abordagem mais vertical de questões da mente e do espírito do que aquilo que os jovens costumam receber - quase sempre, sem debate - nos templos. A observação do processo de um simples “game” pode nos dizer mais sobre certas questões filosófico-espirituais como, por exemplo, a do livre arbítrio e o determinismo, do que horas de discurso dos religiosos convencionais.
Empenhadas em proteger seus sistemas fechados, as religiões, analógicas, temem mexer em seus dogmas explícitos ou disfarçados, numa reação que pouco ou nada tem a ver com crença e devoção e muito a ver com interesses e preconceitos dos que operam seu sistema de poder.
Na grande rede do universo, no entanto, a informação criadora sempre encontrará um atalho ao deparar-se com um nodo inativo... A fila anda e a mudança sempre acaba se impondo. É lei da vida.
[ Textos publicados no Novo Jornal nos dias 18 e 25 de fevereiro e 11 de março de 2014 ]