O papel da tristeza
Postado em 17 Jul 2017 18 51 Textos Anteriores











As aflições mentais não têm existência  
inerente. Surgem e se sustentam sobre  
conceitos que sobrepomos à realidade  


por JOMAR MORAIS


Não é fácil escrever sobre a importância da tristeza quando os valores correntes nos induzem a exorcizar – e não a compreender - esse sentimento cada vez mais presente na experiência humana. A noção equivocada de que a felicidade é inseparável da euforia – um estado enganoso que não expressa as condições objetivas do corpo e da alma – levou-nos ao esforço insano de evitá-la por todos os meios, mesmo que estes sejam as drogas da indústria farmacêutica, as dos fabricantes de bebidas ou a dos traficantes fora da lei. 

Mas o que dona tristeza tem a nos dizer? Que recado nos traz das zonas profundas do ser, o porão da alma raramente visitado? A sabedoria ancestral e a psicologia advertem-nos de que tapar nossos ouvidos à sua mensagem pode ser uma atitude contra a vida e o crescimento pessoal.

Uma história da tradição judaica, narrada por Nilton Bonder em seu livro “A Arte de Salvar” ajuda-nos a refletir sobre as possibilidades de encarar a tristeza e ter proveito desse encontro:

“Reb Leib de Lantzut era um abastado mercador, também versado na Torá. Aconteceu que ele perdeu sua fortuna do dia para a noite e ficou em estado de miséria. Apesar disso, parecia não estar nem um pouco incomodado e passava seu tempo estudando. Sua mulher perguntou-lhe: 'Como é possível que você não esteja triste ou ansioso?' Reb Leib respondeu: 'Deus me deu uma boa cabeça, que pensa rápido. A preocupação e a tristeza que outros processariam em um ano eu processei em um único momento'”.

Ou seja, Reb Leib não recusou a tristeza, tentando escapar pela porta dos fundos, mas, de pronto, abraçou-a, ouviu-lhe a mensagem e ficou sabendo o que a vida lhe pedia.

Do ponto de vista materialista e hedonista da maioria, isso seria transitar na contramão da lógica usual – a do embate contra tudo o que se oponha aos nossos desejos ou aos padrões a que estamos agarrados. “Quem precisa da realidade quando pode se divertir?”, diria Alan Wallace, ex-monge budista que, como Bonder, tem um olhar heterodoxo sobre a tristeza, exposto em seu excelente “Felicidade Genuína – A Meditação como o Caminho para a Realização”. A felicidade, lembra Wallace, só pode ser encontrada se estivermos presentes em nossa vida diária, nunca por meio da distração. “As qualidades de virtude, felicidade e compreensão da realidade como ela é estão profundamente inter-relacionadas”.

A observação da tristeza – e observar é a essência da meditação! – pode nos levar a muitos insights, alterando assim nossa compreensão da vida e o jeito de vivê-la. Ao refinarmos a prática, constataremos enfim que tudo é fluxo, surgindo e desaparecendo a cada momento, numa cadeia de causa e efeito.

As aflições mentais explícitas ou subjacentes, fonte de insatisfação, dor e sofrimento das quais a tristeza é mensageira, não têm existência inerente. Surgem e passam, sustentando-se temporariamente sobre o lastro conceitual que sobrepomos à realidade. 

Entender a natureza desses eventos é o passo fundamental para evitar que eles nos dirijam ou aprisionem.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 11/07/17 ]

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