A história e a incerteza
Postado em 12 Sep 2017 01 12 Textos Anteriores












Escolhas e decisões equivocadas acumulam-se  
sob a crença de que existe estabilidade  
e a evolução jamais nos deixará retroceder  


por JOMAR MORAIS


A semana começa para mim com uma provocação do autor de “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, Yuval Noah Harari, doutor em história pela Universidade de Oxford: existe determinismo na história ou esta é randômica e, portanto, imprevisível? 

Para Yuval, “a história não pode ser explicada de forma determinista e não pode ser prevista porque é caótica”. 

Obviamente, essa é uma conclusão processada sob o paradigma convencional da academia, que não leva em conta instâncias do real que escapam à lógica e aos sentidos. As tradições espirituais e a ousadia de pesquisadores que hoje operam na fronteira da ciência podem acrescentar considerações que introduzem outra maneira de pensar o tema, sem que isso signifique uma visão determinista restrita e inflexível. Incluir Deus como causalidade absoluta atuante antes e além do tempo pode tornar aceitável a ideia de determinação – e provavelmente alguma previsibilidade – sem relegarmos as noções de fluxo e interação permanente.

No fundo, diante do mistério da vida e do universo, tudo o que ciência e fé podem fazer, até aqui, é especular. Princípios e teorias são constantemente remendados ou substituídos porque a experiência e a ampliação da percepção não param de apontar suas incompletudes. Mas algumas alegorias talvez aplaquem, temporária e parcialmente, nossa perplexidade e nos conduzam a esboços mais refinados. 

Se, por exemplo, considerarmos o universo uma realidade virtual – uma hipótese hoje presente na pauta de alguns cientistas -, uma espécie de game no qual existimos e interagimos, o desenvolvimento dos eventos e os cenários futuros comportariam mais que uma visão. Da perspectiva do programador, que criou o código-fonte do jogo, tudo está definido, todo o jogo jogado. Do ponto de vista do jogador, o que existe é um leque de possibilidades desconhecidas e só parcialmente imagináveis.

Para mim, trata-se de uma alegoria confortável que nos permite “dialogar” com a tese de Yuval Harari, situando-a na perspectiva do jogador que tenta entender e jogar o jogo da história.

“Cada ponto da história é um cruzamento”, diz Yuval. “Uma única estrada percorrida leva do passado ao presente, mas uma série de caminhos se bifurca em direção ao futuro, e, às vezes, a história ou as pessoas que fazem a história dão voltas inesperadas”. 

É comum encontrarmos explicações deterministas para os acontecimentos a partir da redução da saga humana à ação de forças biológicas, econômicas e ecológicas, mas a experiência de grandes historiadores revela que quanto mais nos aprofundamos no estudo de um período, mais difícil se torna explicar por que as coisas tomaram determinado rumo e não outro. São tantas as forças atuantes e tão complexas as interações que, em determinadas circunstâncias, variações muito pequenas produzem diferenças gigantescas no resultado. 

Como a história, a política é também um sistema caótico, que reage às tentativas de previsão e a todo momento surpreende observadores e analistas. É impossível prever uma revolução, embora captemos algumas sinalizações de sua gestação.

Por tudo isso, as escolhas e decisões erradas se acumulam a partir da crença de que existe uma estabilidade confiável e que o movimento evolutivo não nos permite retroceder. É assim que o improvável e até o impossível costumam se impor, estabelecendo contextos inesperados ou reacendendo chamas que pareciam extintas.

No Brasil até há pouco imaginávamos que jamais veríamos novamente golpes de estado ou retrocessos democráticos e sociais, que acabaram acontecendo sem resistência. No mundo, imaginamos que a globalização econômica havia encerrado o protecionismo e o belicismo das potências, agora uma crença revogada pela ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e do conservadorismo na Europa. O século 21, que no passado nos parecia alvissareiro, desde o início tem nos surpreendido com explosões de violência e o recrudescimento de iniquidades jamais previstas.

Para onde vamos? 

Um historiador do futuro descreverá nossos passos e as bifurcações do caminho sem conseguir explicar porque preferimos esse e não aquele rumo. Os jogadores do jogo da vida continuarão a se exercitar de modo criativo, entre dores e alegrias, navegando um mar de incertezas que, certamente, jamais existirão para o autor oculto do código-fonte.

[ Publicado na edição do Novonoticias de 05/09/17 ]

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