Fábricas de estupidez?
Postado em 14 Dec 2017 03 46 Textos Anteriores










Um ex-executivo do Facebook, Chamath  
Palihapityia, diz que as redes sociais destroem  
a sociedade com desinformação e falsidades  


por JOMAR MORAIS


Há algum tempo eu queria escrever sobre esse tema, mas, apesar da abundância de evidências em toda parte, faltavam-me as palavras apropriadas e a precisão do argumento.

Quando uma amiga advertiu-me de que ninguém mais se interessa por leituras - talvez ela própria incomodada com a minha insistência em escrever crônicas e usar  vocábulos em vez de emoticons –, desconfiei que algo ameaçador estaria à nossa espreita.

Quando vi o volume de notícias falsas  e postagens  virulentas, durante a turbulência política que resultou em um golpe parlamentar no Brasil, assustei-me com o poder destruidor das redes sociais, se usadas a serviço da manipulação.

Quando assisti ao triunfo de Donald Trump nos Estados Unidos, apoiado nos votos de eleitores infectados por robôs eletrônicos acionados da Rússia, em ondas de “fake news” e apelos rasteiros que os fizeram trocar os avanços sociais da era Obama pela xenofobia de um capitalista retrógrado, não tive mais dúvidas sobre o perigo da apropriação da tecnologia por gangues que disputam o controle das pessoas e do mundo, indiferentes ao custo humano e social de suas pretensões.

Não. Não estávamos lidando com uma expressão legítima das massas. Notícias falsas, textos virulentos, seja  no Brasil de 2015 ou nos Estados Unidos de 2016, em sua maioria não foram produzidos pelas pessoas comuns que, no modelo atual da net, vêm sendo treinadas para a estupidez ou a superficialidade. Estávamos – e assim continuamos – pagando o preço de um erro de visão dos megaprovedores de redes sociais, cujo resultado é a atrofia da inteligência e do sentimento, com resultado desastroso para a sociedade.

Não. O escritor e filósofo Umberto Eco não acertou na mosca ao destacar, pouco antes de morrer, em 2016, que a Internet e as redes deram voz ao “idiota da aldeia”, que antes tinha apenas o bar e meia dúzia de ouvintes que conheciam suas limitações. Na verdade, o perigo não está na palavra do idiota, mas na manipulação que máfias de todos os matizes podem fazer, utilizando-se da ingenuidade e da incontinência verbal do idiota no ambiente macro das redes.

As evidências estão aí para quem consegue parar e observar. Mas como dizer isso de modo substantivo, sem nos perdermos no achismo e no sismo das emoções? 

A edição de ontem, 13/12, do jornal espanhol “El Pais”, resolve  essa pendência em uma matéria com Chamath Palihapitiya, ex-vice-presidente do Facebook. Do texto emergem dados que confirmam nossas desconfianças e, na autocrítica do executivo, podemos vislumbrar a dimensão da ameaça que ronda o mundo. Transcrevo a notícia. Nenhum de meus argumentos explicaria melhor essa situação dramática:

As redes dilaceraram o tecido social 

“Um ex-alto executivo do Facebook fez um mea culpa por sua contribuição para o desenvolvimento de ferramentas que, em sua opinião, “estão dilacerando o tecido social”. Chamath Palihapitiya, que trabalhou na empresa de Mark Zuckerberg de 2007 a 2011, da qual chegou a ser vice-presidente de crescimento de usuários, acredita que “os ciclos de retroalimentação de curto prazo impulsionados pela dopamina que criamos estão destruindo o funcionamento da sociedade. Sem discursos civis, sem cooperação, com desinformação, com falsidade”.

Palihapitiya fez essas declarações sobre o vício em redes sociais e seus efeitos em um fórum da Escola de Negócios de Stanford no dia 10 de novembro, mas o site de tecnologia The Verge as publicou na segunda-feira e, através dele, jornais como o The Guardian. Palihapitiya — que trabalhou para aumentar o número de pessoas que usam as redes sociais — recomendou ao público presente no fórum que tomasse um “descanso” no uso delas.

Esclareceu que não falava apenas dos Estados Unidos e das campanhas de intoxicação russas no Facebook. “É um problema global, está corroendo as bases fundamentais de como as pessoas se comportam consigo mesmas e com as outras”, enfatizou, acrescentando que sente “uma grande culpa” por ter trabalhado no Facebook. Falou sobre como as interações humanas estão sendo limitadas a corações e polegares para cima e como as redes sociais levaram a uma grave falta de “discurso civil”, à desinformação e à falsidade.

O ex-vice-presidente do Facebook alertou que os comportamentos das pessoas estão sendo programados sem que elas percebam. “Agora você tem que decidir o quanto vai renunciar”, acrescentou. Palihapitiya fez referência ao que aconteceu no estado indiano de Jharkhand em maio, quando mensagens falsas de WhatsApp sobre a presença de supostos sequestradores de crianças acabaram com o linchamento de sete pessoas inocentes. “Estamos enfrentando isso”, criticou Palihapitiya, acrescentando que esse caso “levado ao extremo” implica que criminosos “podem manipular grandes grupos de pessoas para que façam o que eles querem”.

Mas Palihapitiya não criticou apenas os efeitos das redes na maneira pela qual a sociedade funciona, mas todo o sistema de funcionamento de Silicon Valley. Segundo ele, os investidores injetam dinheiro em “empresas estúpidas, inúteis e idiotas”, em vez de abordar problemas reais como mudança climática e doenças curáveis.

As críticas de Palihapitiya às redes se juntam às do primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, que criticou a forma como a empresa “explora uma vulnerabilidade da psicologia humana” criando um “ciclo de retroalimentação de validação social”. Além disso, um ex-gerente de produto da empresa, Antonio García-Martínez, acusou o Facebook de mentir sobre sua capacidade de influenciar as pessoas em função dos dados que coleta sobre elas e escreveu um livro, Chaos Monkeys, sobre seu trabalho na empresa. No último ano vem crescendo a preocupação com o poder do Facebook, seu papel nas eleições norte-americanas e sua capacidade de amplificar notícias falsas.”

[ Escrito em 13/12/17 ]

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