Minha criança e o presépio
Postado em 23 Dec 2017 10 21 Textos Anteriores










Jesus, como Francisco, eu repito: não  
excluirei ninguém, mas amarei principalmente  
os irmãos excluídos, os nâo amáveis  


por JOMAR MORAIS


Uma das recordações mais ternas dos natais de minha infância é um hino que acabou virando canção popular em quase todo o mundo. 

Agora mesmo ouço-o sob a forma de um playback de levada pop com forte marca da percussão. Mas acredite: em meu coração essas batidas secas repercutem como se fossem acordes do velho órgão da igrejinha onde ouvi a canção pela primeira vez, segurando a mão negra de minha avó Apolônia. 

Como no passado, sua música e letra tão simples lançam-me a um mar imenso de emoções e achados.

O que seria esse “Primeiro Natal” cantado com devoção por minha avó e toda aquela gente grande? Para o menino de cinco anos que eu era, tudo parecia enorme e misterioso, mas foi assim que comecei a tomar gosto pelo Natal até torná-lo, anos mais tarde, a referência mais importante de minha jornada. Conto o tempo, o meu tempo na Terra, pelos natais que comemoro. Esse é o 64º e talvez eu já não tenha muitos outros para celebrar na estrada inconstante da vida. 

Meu tio José, evangélico, foi o primeiro a falar-me sobre o Primeiro Natal. Seus olhos brilhavam e sua voz se tornava grave e modulada ao descrever o menino Jesus na manjedoura, os pastores humildes que o rodearam, a saudação  dos anjos, suas trombetas estridentes... Eu nunca o vi chorar, mas ele parecia em êxtase de ternura e fé. 

Foi assim que comecei a entender e a experimentar coisas abstratas, como o sentimento além do círculo de minhas necessidades infantis.

Depois veio Beatriz, a anciã que cuidava da capela onde fui sacristão. Era mulher de poucas palavras, mas esmerava-se na montagem do presépio a cada dezembro. Durante todo o mês eu  a ajudava a deslocar, dia após dia, na trilha de papel marché as pequenas imagens dos três reis magos, que só deveriam alcançar a manjedoura em 6 de janeiro, o dia que lhes é consagrado. Perdi a conta do tempo em que ficava ali, embevecido com aquele cenário tão humilde e tão humano e, ainda assim, enorme  e misterioso ao remeter-me à narrativa dramática de meu tio sobre o longínquo Natal de Belém.

É claro que as comemorações natalinas sempre encantaram as crianças. Como eu poderia esquecer os marujos da Chegança, marcando o ritmo com os pés no palco em forma de barco? E as meninas enfeitadas do pastoril? O parque de diversões com vitrola, o algodão doce... O desfile da gente humilde na praça, exibindo suas roupas novas, à espera da Missa do Galo, pontualmente à meia-noite... E a ceia de Natal? Era o melhor jantar do ano, com frutas cristalizadas e guloseimas preparadas à tarde por minha mãe enquanto eu e meus irmãos disputavam as panelas lambuzadas de molhos doces. E Papai Noel? Ele existe? Ah! Aquela luta inglória contra o sono que sempre nos impedia de flagrar nossos pais, sorrateiros, empurrando presentes para debaixo de nossas camas...

Mas a história? Quem conta a história? Quem fala sobre o Primeiro Natal?

Minha netinha do meio, Yzabelle, costuma me provocar: “Vôri, qual é a melhor época do ano?” E ela mesma arremata: “É o Natal!” Para mim também, acrescento -- e logo aproveito para contar-lhe a história que um dia ouvi de meu tio José.

Se minhas palavras conseguem tocar o seu coração e se isso será decisivo para a sua visão de mundo e sua relação com a vida, só o tempo dirá.    

Quanto a mim,  eternamente grato pela noite em que ouvi o hino, segurando a mão negra de minha avó, e pelas lindas histórias de fé de meu tio, no altar da memória prosto-me outra vez ante o presépio de Beatriz e ponho aos pés da manjedoura minha oferenda despojada.

Jesus, meu amigo, meu mestre! Do coração de teu servo Francisco recolhi essa pérola, que a ti ofereço como prova de meu compromisso e de minha aliança:

“Não desprezarei os que desprezam. Não amaldiçoarei os que amaldiçoam. Não julgarei os que condenam. Não odiarei os que exploram. Amarei os que não amam. Não excluirei ninguém.

Mas, Senhor, aceita: meus preferidos serão os preteridos. Quanto mais marginalizados, tanto mais promovidos serão em meu coração. Senhor, amarei principalmente os não amáveis”.

FELIZ NATAL!
FELIZ ANO NOVO!
[ Escrito em 23/12/17 ]

Assista aos videos da TV Sapiens. Inspiração para o Natal >>> https://youtube.com/sapiensnatal

Veja o vídeo baseado nesta crônica no Facebook - clique aqui

Para abrir a janela de comentarios, clique sobre o titulo do texto ou sobre o link de um comentario >>:
Para abrir a janela de comentarios, clique sobre o titulo do texto ou sobre o link de um comentario

Deixe um comentario
Seu nome
Comentarios
Digite o codigo colorido