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Ano 23                                                                                                              Editado por Jomar Morais
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PLANO B
por SHEYLA AZEVEDO
 
Eu lia folhetins como Júlia e Bianca e livros como Fernão Capelo Gaivota e O Pequeno Príncipe lá no interior onde morava. Quando vim estudar em Natal, umas das minhas primeiras aventuras foi conhecer a (finada) Biblioteca Câmara Cascudo. O primeiro livro que eu peguei foi Feliz Ano Velho e já fazia parte da minha segunda chance como leitora contumaz. Enfim, em se tratando do tema literatura, estava diante do primeiro Plano B da minha vida.

Eu poderia ter ficado no interior e lido até então livros de leitura fácil, recheados de clichês e receitas de auto-ajuda. Mas aí, a vida me deu essa oportunidade. Graças à acolhida na casa dos meus tios eu pude conhecer a Biblioteca e, depois, de estudar na Escola Técnica e encontrar os amigos mais bacanas e inteligentes que alguém teria a sorte de conhecer e de ter feito parte do Sótão 277, no início dos anos 1990. Um misto de movimento literário, performático, conceitual e de formação artística e humanística que os resquícios até hoje. Enquanto a galera da nossa idade estava preocupada em usar tenis redley, usar perfume giovanna baby e ir para festas americanas, a gente tava lendo os clássicos, os beatniks, escrevendo poesia, ouvindo rock´n´roll e "desbundando". Coloquei entre aspas porque não era um desbunde a la woodstock, mas a gente desbundava como podia.

Quem é jornalista sabe do que estou falando. Não somos como, por exemplo, médicos ortopedistas que fazem carreiras brilhantes cirurgiando mãos de pianistas e carpinteiros. Felizes em suas carreiras, sem pensar em plano B. O trabalho de jornalista é árduo, sem glamour, muitas vezes somos meros joguetes nas mãos dos interesses econômicos e políticos e, às vezes, cometemos a mais ingênua das certezas: de que sabemos das coisas ou de que não estamos sendo usados. Todo jornalista se que preze, pelo menos nos últimos 20 anos, tem que ter um Plano B. E reflete sobre não ter decidido por arquitetura ou psicologia. Alguns até fazem outros cursos e tomam outros caminhos e viram advogados, chefes de cozinha, jardineiros.

Eu mesma já passei por vários momentos de busca por um plano B. O mais estapafúrdio deles é de um dia fazer um teste para um papel num filme e o diretor perceber em mim o talento que nem eu mesma sabia que tinha. Em tempos de startups, as pessoas têm pressa. O foco não é mais na trajetória, ou nas tentativas de acerto e aprendizado com os erros, o foco é no sucesso imediato e nos 20 mil de salário mensal. E haja plano B para lidar com tantas frustrações, porque no meio da boiada, são poucos os que conseguem furar a cerca e alcançar o sonhado pasto verdejante, muito mais fantasioso que real. Talvez porque o plano B seja aprender a arar a terra, plantar as sementes certas e ter, sobretudo, paciência.


            Transcrito sob autorização do blog Bicho Esquisito, da jornalista e escritora Sheyla Azevedo

                                               Contato da autora: azevedo.sheyla@gmail.com