Com o estilete da verdade
feriste-me a alma.
E com a tinta escura de meu sangue
relembraste em mim ensinamentos
que se perderam no tempo.
Vi Tua misericórdia
jorrando da fonte, límpida.
Senti cada gota cristalina da compaixão
banhando minha fragilidade...
Painho, agora sei!
No olhar compassivo de anônimos estranhos
que não pediram meu nome, encontrei-a
em uma manhã cinzenta e gélida, no outro lado do mundo.
O rosto tranquilo da faxineira que me olhou sem medo.
A atenção do jovem que me ouviu sem pressa.
A generosidade do chefe que se fez meu servo.
Painho, agora sei!
Tive sede e fui saciado.
Tive fome e me deram de comer.
Estava doente e pensaram-me a fragilidade do corpo e da alma.
Não invocaram Teu nome.
Não citaram outros deuses.
Não indagaram sobre minha origem nem minha fé.
Sim, Painho, agora sei!
Eu vi Tua misericórdia
jorrando da fonte,
senti suas gotas cristalinas,
e agora sei o que sente o coração do pobre
agraciado por gotas de amor e solidariedade.
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[Escrito ao despertar em 10/08/2024 relembrando o amor que recebi de desconhecidos chineses em Xangai ao lhes pedir, solitário, febril e faminto, uma simples orientação na manhã de 29 de janeiro de 2024. Inspirado na cena mostrada no vídeo "China - Uma Viagem Dramática em Um País Surpreendente", postado em https://www.youtube.com/sapiensnatal)
Por tua misericórdia, eu canto. E cantarei sempre.
Sob o Sol ofuscante no zênite. Na treva da meia-noite sem estrelas.
Nunca falhas comigo!
Eu sei, não sou especial (E quem seria?)
Não me dispensas privilégios (E quem os possui?).
Jorrar amor e misericórdia é da natureza de Tua fonte.
Nas noites mais escuras da jornada,
Perdido no labirinto de minhas certezas inúteis,
A voz de uma criança sussura o meu erro
E suavemente seu bisturi tira-me da alma a catarata.
Na escuridão Tua luz é esplendorosa,
Vejo minha pequenez e entro em êxtase de clareza.
Na noite mais densa, ninguém mais perto de mim: Tu!
Moves corações e vozes para resgatar-me outra vez.
Por que Tua bondade sempre corre atrás de mim?
Sei, não sou especial. É da natureza da fonte!
Quero deleitar-me em Teu misterioso jogo de contentamento e dor.
Quero amar como Tu amas, sentir como Tu sentes.
Quero ver através de Teus olhos.
Quero nomear-Te, minha iluminada pobreza assim exige.
Painho! Painho!
Tu és! Tu bastas!
Não desistirei.
[ Escrito na manhã de 20/07/2023, horas depois de ser salvo pela voz suave e determinada de uma adolescente e o coração generoso de uma mulher ]
Por que teu amor nunca cessa de tecer disfarces com os quais mendigas minha atenção, quando és tu que me acolhes?
Senhor, meus pés têm marcas da longa peregrinação e eu julgava-me repleto de tuas máscaras ternas, exibidas na diversidade dos templos e monumentos, na fé multicolorida de meu povo, nos repetidos êxtases em orações e recolhimento.
Não eras tu que, invisível, tocavas-me o coração e dissolvia minha concretude?
Sim, eu percebi que estavas por perto. Bem a teu gosto, puxavas-me o tapete de minhas referências, deixando-me nu e criança nos recantos de teus amados.
Não fostes tu que me inspirastes as ousadias nas casas de Francisco e de Dulce, no berço de Bezerra, nos túmulos de Damião e Chico, no horto de Cícero, na caatinga do Conselheiro, no terreiro de Meninha, na montanha da Senhora Aparecida?
Eu estava pleno e grato, transbordando alegrias e insights. E, no entanto, tu, Senhor da arte do imprevisto, guardavas na manga a carta final desse sublime jogo de devoção e entrega.
Por que aqui?
Por que agora, que a peregrinação acabou, e me comprazo em saciar minha fome no restaurante avarandado, o som alto do forró pernambucano cortando a noite cálida deste domingo?
Evitastes minha mesa e buscastes a outro irmão. E outra vez fostes expulso pelos guardas.
Vi teus passos lentos, teus ombros curvados, tua resignação silenciosa e a inabalável esperança em teus pés plantados na calçada, à espera do óbulo.
Incomodado, ofertei-te a moeda, expressão de minha avareza (não serias digno de meu convite?). E, emocionado, vi o irmão, que eu julgara indiferente, repartir contigo seu alimento.
E vi, com uma clareza jamais acontecida antes, tua face real no terno olhar do mendigo, que até então eu não reconhecera. Teu Evangelho inteiro na expressão grata de um faminto!
O jovem negro e esguio afasta-se e sua silhueta se confunde com a noite. Minha alma está perplexa.
As fichas caem e, em meio ao som estridente e profano, tenho, afinal, a epifania que marcará esse mochilão em que te busquei em templos e celebrações.
Por que fizestes isto comigo, Jesus de Nazaré?
As lágrimas vêm, indiferentes ao meu entorno, e a consciência agora desperta me dá um choque de realidade. Outra vez fracassei, negando abrigo ao meu mestre! Outra vez mostraste-me o meu real tamanho na messe imensa da vida.
Tenta de novo, Senhor do imprevisto! Sou teu amado, és meu amado! Não desistirei!
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Fato ocorrido na noite do domingo 6 de fevereiro de 2022, no centro do Recife, um dia após o encerramento de meu mochilão "A Fé do Brasil", em Aparecida do Norte, SP.
Texto escrito em 08/02/2022, após a minha meditação matinal do Círculo de Silêncio e Paz. | Jomar Morais
É para ti e por tua causa que uivo.
Ergo-me para a vastidão escura,
Rolo na grama úmida,
Esmurro a rocha,
Caio no lodaçal.
Em êxtase.
Êxtase sagrado,
Êxtase profano.
Delírio de prazeres,
Delírio de dores.
E o solitário lobo, embriagado de teus feitiços.
Na luz e na sombra te escondes,
Espreitas-me com tuas quatro faces.
E quando eu, e não tu, mudar o rosto e partir
Contarás o meu breve enredo
A algum outro enfeitiçado pelos teus dotes.
Na tua ausência, perplexidade e ousadia.
De onde me espreitavas quando uivei
Junto às muralhas do poder?
Quando apenas metade de tua face
Deslizou, sóbria, para fora da cortina
Corri nas pradarias e estradas em buscas
Infindas e sem alvo.
Ainda assim operastes teus truques.
E, de novo, temi e ousei, chorei e sorri,
Uivei aquém e além do horizonte dos homens.
Enfim, na tua presença plena, despida e luminosa,
Perdi o senso e entreguei-me ao mistério.
E tudo pôde acontecer
Em indizíveis êxtases da carne e do espírito.
Ó Maya, por que me deténs em tua sedução?
Enquanto brilhas, na treva desta noite
Uivo de dor e de esperança.
Êxtase superlativo de luz e sombras
Na poeira das memórias.
Submissão.
Ó Cruzeiro, testemunha silenciosa!
Naquele longínquo 8 de maio
Meus olhos te perderam de vista,
Separados que fomos pela bruma espessa
E o clarão dela além das nuvens.
Ó Cruzeiro, que me vistes chorar no planalto e na planície,
No cerrado e junto ao mar!
Nesta noite de Maya plena e brilhante
Não deixarei que a sua luz argêntea me prive
De teu brilho discreto a chamar-me de volta
À realidade: Deus É, Deus basta!
[ Escrito ao despertar de um sonho, no meio de minha noite, ao meio dia de 01 de agosto 2020 ]
Que importam as palavras?
Que importam os conceitos?
Que podem as palavras dizer sobre a florzinha singela
Da erva invasora de meu quintal,
Que agora me encanta, transporta-me aos confins do universo?
Que podem as palavras dizer sobre os buracos negros do cosmo
E os buracos insondáveis de minha solidão?
Que podem os conceitos dizer sobre o brilho inefável
De meu êxtase enquanto me encantas, florzinha anônima desprezada?
Que podem as palavras ante o mistério da vida e do ser?
Que podem os conceitos ante o sem forma incognoscível?
Ó doce segredo no qual existo, o fundo mais profundo
Do fenômeno que sou.
Que importam as palavras?
Na alvorada deste meio-dia, silencio
E, então, vejo, reluzente, o que as palavras escondem.
Na florzinha vulgar Tu te mostras a mim.
És meu Tudo
E isso basta!