Postado em 05 Mar 2015 16 44 Principal
É mais fácil ignorar o outro sentado na
cadeira ao lado (desconhecido que pode
inspirar desconfiança) e confiar no
aparelho que temos nas mãos
As sociedades de consumo caracterizam-se por sua intensa instrumentalização, fruto da
produção material do atual sistema econômico. Vivemos um desafio de percepção, num mundo
rodeado por estímulos de luz, cores, sons e movimentos. São apelos rápidos, fragmentários,
diretos ou sutis, voláteis e difusos. Perdemos a sensibilidade para decidir, não pela falta de
opções, mas pela super-excitação dos sentidos. Estes apelos produzem entulhos que se
acumulam em nossos ouvidos, em nossas mentes, em nosso olhar.
O perspicaz sociólogo polonês Zigmunt Bauman debruça-se sobre as repercussões desta
instrumentalização nas nossas relações afetivas, destacando a fragilidade dos laços humanos
onde os próprios sentimentos são considerados produtos sujeitos à lei do mercado. E ele
expõe e exemplifica a lógica impessoal do mercado: o efeito "porta dos fundos" em que as
soluções ajudam a reproduzir os problemas para os quais foram criadas. Então, por muito
tempo, os especialistas continuarão prescrevendo antidepressivos para a nossa solidão.
Tudo isto se reflete nas nossas comunicações. Estamos ricos em canais de comunicação e
pobres na capacidade de nos comunicarmos verdadeiramente: nossos ouvidos e olhos
continuam entulhados. Lotados de apetrechos tecnológicos, neles mergulhamos, fugimos da
nossa dor e corremos o risco de nos dessensibilizar. É mais fácil ignorar o outro sentado na
cadeira ao lado (desconhecido que pode inspirar desconfiança) e confiar no aparelho que
temos nas mãos.
O memorável filósofo indiano Jiddu Krishnamurti acreditava que as atuais relações entre os
seres humanos se baseiam no mecanismo defensivo, formador de imagens. "Em todas as
relações cada um de nós forma uma imagem a respeito de outrem e as duas imagens ficam
em relação e não os próprios entes humanos". Talvez, este "entes humanos" a que se refere
Krishnamurti estejam gritando dentro da gente, procurando se manifestar e encontrar o outro
ente, perdido na cadeira ao lado.
Para abrir o formulario de comentarios, clique sobre o titulo do texto ou sobre o link de um comentario: