O Rei e o Servo (O Ego e o Eu)
Postado em 22 Sep 2020 23 16 Principal

Era um belo reino! Podia-se sentir uma alegria no ar. O Regente era poderoso e sábio. Reinava juntamente com a sua rainha, com bondade. Conhecia todos os seus domínios. Seus súditos viviam felizes e o amavam. Exercia a justiça com sabedoria e promovia a prosperidade do reino. Não havia guerra, pois conseguia tecer acordos de convivência pacífica e colaborativa com os demais reinos, trazendo prosperidade para todos.

Até que um dia, a rainha, fiel companheira do rei, morreu de repente. Esta perda inesperada abalou profundamente o monarca, fazendo com que ele passasse por um período de grande tristeza e solidão.

O grande rei, por um momento, titubeou e a luz do seu olhar consciente se enfraqueceu. Neste momento, o poder que atormenta os invejosos e gananciosos, aproveitou-se para tentar usurpar o trono do grande rei.

Mas como fazer para dominar um rei tão sábio e poderoso?

Foi então que um servo prestimoso, que se destacou pelos seus trabalhos no palácio, se aproximou do rei no momento de maior fragilidade. O servo cresceu em tamanho porque fazia tudo para o rei: cuidava das suas correspondências, dos assuntos administrativo, da organização do palácio. Inteligente e prestimoso, rodeava o rei de cuidados e solicitudes. Até que chegou a ser o conselheiro do rei, no qual o monarca confiava incondicionalmente.

O rei não queria receber visitas e, com o tempo, não mais sabia dos negócios do reino diretamente. O servo, de tão esmerado e prestimoso, começou a tomar as decisões pelo rei, que paulatinamente se isolava do convívio e da administração do reino. Assim, aquele servo conseguiu ganhar tanta confiança do rei que já o representava em praticamente todas as decisões. Tudo, antes de passar pelo rei, passava obrigatoriamente pelo controle do servo.

O servo invejoso, a título de cuidado, começou a contar várias histórias falsas sobre as coisas e as pessoas que circundavam o rei, insuflando-lhe o medo e a desconfiança, sendo aos poucos o rei afastado dos seus conselheiros verdadeiros e da realidade. Quanto mais o rei se sentia fraco e impotente, mais o servo se fortalecia. O rei se sentiu tão frágil que resolveu se proteger dentro de uma torre do castelo. Recluso e isolado, não ouvia ninguém a não ser o servo. Assim, distante da sua gente, o rei ficou alheio de seus domínios.

Quando o servo se viu empoderado, suas verdadeiras intenções começaram a aparecer. O servo era cobiçoso e invejoso. Tudo o que ele mais queria era ocupar o lugar do rei.

O rei se sentia frágil e o servo o cobria de “cuidados”, o protegia do mundo lá fora, não deixava que notícias desagradáveis chegassem ao conhecimento do rei. Pouco a pouco, a face perversa do servo fez sentir em todo o reino, enquanto o rei dormia...

O servo, agora com poderes, começou a aumentar os impostos, tratou injusta e violentamente os subordinados, tornou o reino beligerante na sua ambição de dominar e de submeter.

O servo plantou a semente do medo, da desconfiança e da discórdia. E assim, o reino entrou em guerra e foi acometido por grandes derrotas e seu povo jogado à  penúria, à fome e todo tipo de necessidade. Os campos não eram mais produtivos, o exército submetia o povo à tirania de impostos exorbitantes e de decisões arbitrárias, longe do senso de justiça do bom monarca.

As gentes simples do reino rezava para que o verdadeiro senhor recobrasse a consciência. Até que um dia o rei em sua torre escura, sentiu um raio de sol entrar pela fresta da janela, e isto lhe fez lembrar a quanto tempo ele estava distante da sua antiga alegria.  Começou a pensar e pensar e refletir a respeito de si mesmo. Pensou a quanto tempo tinha o servo como único intermediário com o mundo e de que nunca havia desconfiado de suas palavras. O rei, aos poucos, desconfiou do servo que antes pensava poder confiar cegamente.

Certa noite, enquanto o servo dormia, saiu o rei, com muito esforço, saiu da sua torre, burlando a vigilância do servo. Sentia-se frágil como uma criança, porém, estava, depois de tanto tempo, acordado. Estava alegre por sentir a brisa do campo aberto em seu rosto. Ouvir os sons dos passarinhos ao amanhecer e sentiu o calor vitalizante do sol. E com o claro do sol, pôde ver a realidade do seu reino abandonado. O Rei chorou e uma grande tristeza o acometeu. Como pode deixar aquilo acontecer? Por que deu tanto poder ao servo ambicioso? Foi então que o Rei teve a vontade restaurada e resolveu tomar o controle reaver o seu domínio.

O reino estava semidestruído. O servo, que tinha amealhado riquezas e um pequeno exército, quis se insurgir contra o rei, mas não se fez obstáculo para a sabedoria e conhecimento estratégico do rei, que retornava com todo o seu poder e iluminação.

Quando o servo tentou lhe contar as suas histórias fantasiosas, já não podia mais alcançar o rei, pois os olhos do monarca eram duas chamas incandescentes. O servo apavorou-se e viu todos os seus domínios de ilusão diluírem-se ante a sabedoria e poder do rei. Não poderia o servo, por mais que tentasse, alcançar tanto poder. E assim, o servo se ajoelhou ante ao rei.

O rei mandou prender o servo e preparou o julgamento. No final do julgamento, a bondade do rei prevaleceu e a vida do servo foi poupada, mas este foi condenado a retornar aos seus serviços subalternos, sob supervisão de conselheiros de confiança do rei.

Assim, o rei se pôs a visitar e tomar  conta de suas cercanias, reestabelecer a justiça e a ordem. Com seu conhecimento, promoveu novamente a  prosperidade em seu reino. A natureza resplandeceu! o reinado floresceu e o Rei  conduziu sabiamente seu reino sem mais um momento de vacilo ou fraqueza. A sabedoria, a paz e o amor voltaram a reinar.

Este conto é uma história de como o Ego se ressente em não poder ser o Eu...Por mais que ele queira ser as lentes do Ser, quando este Ser quiser, acordará e restituirá tudo a seu lugar de harmonia.

 

 


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Julianne
19 Nov 2020 09 40
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Aldenir Dantas da Costa
15 Oct 2020 00 07
Beleza, meu caro Jorge Braúna. Parabéns!
Jomar Morais
23 Sep 2020 02 31
Grande Jorge Braúna, belo conto, inspirador de prudência e persistênvia nos bons propósitos.
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