Postado em 07 Aug 2015 16 11 Textos Anteriores
Só quem se perdeu da realidade convencional
consegue enxergar a "espantosa realidade das coisas"
e a natureza essencial da vida: dádiva divina
por JOMAR MORAIS
Acordei no domingo mergulhado nos versos de Fernando Pessoa. “Outras vezes ouço passar o vento / E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido”, disse Alberto Caeiro, seu heterônimo, no poema “Realidade”.
Só quem se perdeu da realidade convencional consegue ouvir e entender o vento. Os olhos não veem e o coração não sente quando nos mantemos distraídos com pensamentos e afazeres. “A espantosa realidade das coisas”, como ressalta Pessoa, costuma mostrar-se quando cessam, ou se acalmam, o ego e o pensar e nos tornamos aptos a constatar com o poeta: “Basta existir para se ser completo”.
No saber laico do Ocidente, isso hoje se chama atenção plena. A vida ganha outro sentido quando mente e corpo se mantém juntas no aqui e agora, a consciência do existir. No Oriente místico isso pode ser apenas “perder-se em Deus”, o supremo achado de qualquer homem, acima dos desejos e aversões que geram dores.
“Cada coisa é o que é / E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra. / E quanto isso me basta”, diz o vate. Acolher a vida com equanimidade é a receita simples para se ser inteiro.
Pois é... Soube que muita gente que, nos últimos tempos, se achou nas redes sociais está agora descobrindo o sentido de ficar offline, desligar as engenhocas e a ânsia de controlar o mundo. Até já circulam posts em que viciados em Facebook dizem, eufóricos, que conseguiram ficar algumas horas sem postar ou curtir, passando a propagar os benefícios de se ter mais tempo para as pessoas reais e para as coisas concretas.
Razoável, talvez. Com tanta gente despejando ódios, amarguras, traumas, exibicionismo, intolerância e autoritarismo em suas posts, dependendo do círculo de seguidores a convivencia nas redes pode ter se tornado insuportável para quem curte uma vida serena e rica de possibilidades.
O ponto, no entanto, não é estar dentro ou fora das redes, mas como lidamos com o maravilhoso mistério que chamamos vida, da qual as redes fazem parte. E aqui, de novo, o poeta nos ajuda: “Uma vez chamaram-me poeta materialista, / E eu admirei-me, porque não julgava / Que se me pudesse chamar qualquer coisa. / Eu nem sequer sou poeta: vejo”.
No mundo virtual ou real, as ilusões sempre adicionarão dores no dia a dia dos pretensiosos que, cultivando carências, tentam controlar a vida em perfomances de controle ou de dependência. No final, as máscaras caem e nos defrontamos com o vazio das ânsias avassaladoras.
“Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: / O valor está ali, nos meus versos. / Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade”, arremata Fernando Pessoa.
No domingo acordei ouvindo o vento passar. O sopro dos tempos tinha levado todos os meus títulos, todas as minhas vaidades. Então, pude ver “a espantosa realidade das coisas” dizendo-me aquilo que só podemos enxergar quando nos perdemos em Deus: a vida é bela, é dádiva, integralmente gratuita no essencial.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 04/08/15 ]
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