Postado em 22 Aug 2015 17 59 Textos Anteriores
Brasília vista a partir da pira do Panteão
da Pátria: uma cidade que arde em chamas
de diferentes paixões, como qualquer outra
por JOMAR MORAIS
Estou em Brasília, com a família. Trata-se de uma viagem decidida por minhas netas, de 11 e 8 anos, que queriam conhecer a capital de seu país. Uma decisão adulta, acho. Conhecer o centro administrativo do Brasil ajuda-nos a desfazer mitos sustentados pela distância e pela visão idealizada do poder, além de nos presentear com um belo roteiro turístico.
O Plano Piloto de Brasília, a cidade projetada, é um patrimônio arquitetônico da humanidade. E o nível da renda, a qualidade dos serviços e a oferta cultural nesse pedaço asséptico do Distrito Federal garantem o alto Índice de Desenvolvimento Humano da região, o segundo do país.
Se não tivesse extrapolado as projeções que previam uma cidade com 500 mil habitantes no início deste século, Brasília certamente seria um paraíso. Mas também aqui a realidade seguiu seu fluxo surpreendente. Hoje, uma região metropolitana de quase 2,9 milhões de habitantes, para cuja manutenção todos os brasileiros contribuem através de um fundo constitucional, exibe marcas profundas de desigualdade e violência em sua periferia.
Revisitar Brasília me faz viajar no tempo e pensar na fluidez das formas, sempre dependentes da abstração de nosso mundo mental. O mundo objetivo muda toda vez que se altera nossa estrutura subjetiva.
Minha primeira vez na capital deslumbrou-me por sua beleza, organização e tranquilidade. Eu tinha 17 anos de idade e o Brasil experimentava o período mais duro da ditadura militar, em 1970. O que eu via era ilusão de ótica. Só quatro anos mais tarde, ao retornar para um seminário jornalístico na Câmara dos Deputados, eu começaria a entender que aquela paz brasiliense era a “paz de sepultura” de uma cidade e de um país amordaçados pela força.
Como repórter e editor político, na década de 80, eu voltaria inúmeras vezes a Brasília, para contatos e entrevistas, sempre formais, até mergulhar de vez no dia a dia da capital, durante os dois períodos em que trabalhei na sucursal da Folha de S. Paulo. A proximidade dissolveu meus mitos e idealizações (os jornalistas também os tem e gostam de preservá-los) sobre a cidade feita, como qualquer outra, de gente contraditória em suas vidas duplas, dentro e fora do palco onde se desenrolam os papéis sociais e o ritual do poder.
Então conheci um pouco da Brasília dos porões onde, além das tramas da política e dos lobbies, o surreal emergia da humanidade de seus habitantes: deputado fazendo sexo no gabinete da Câmara, droga e sexo gay em batalhões do Exército, como os Dragões da Independência (a guarda presidencial), fila do “brilho” (cocaína) em mansões onde se comemorava a eleição de Tancredo Neves...
Claro, a cidade também era a filantropia de grupos religiosos, o lazer familiar e camaradagem nos parques, o rock de garagem que iria gerar ídolos como Renato Russo...
A capital era viva, cheia de luz e sombra da condição humana. Como ainda hoje é e, certamente, será amanhã.
[Publicado na edição do Novo Jornal de 18/08/15 ]
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