Crises, mente e mídia
Postado em 31 Aug 2015 14 47 Textos Anteriores












As crises econômicas começam e se expandem  
apoiadas em fatores psicológicos que nos  
induzem a apostas incompatíveis com a realidade  


por JOMAR MORAIS


No centro de São Paulo, o camelô solitário esforça-se para ser ouvido pela multidão. “Crise? Que crise? Isso é coisa da cabeça, minha gente!”. Provavelmente, nem ele acredita no que diz. Além de camelô, é marqueteiro e tenta, em vão, convencer as pessoas a comprarem seus produtos. 

Nos últimos dias, o pessimismo tem marcado forte a rotina de Sampa, onde há décadas o medo, cultivado com apuro, vem deixando a população vulnerável a qualquer notícia sobre adversidades. É comum agora ver-se pobres culpando, além do governo, os mais pobres que vivem nas ruas pelo desencanto dos dias intranquilos e de baixo consumo. São Paulo parece mais cruel com quem tem menos.

Seria ingenuidade dizer que a crise não existe. Ela é real porque se manifesta nos números do cotidiano (leia-se: consumo) e nos hábitos das pessoas, mas o apelo do camelô paulistano convida-nos a uma reflexão. As crises – a do Brasil, a da Europa, a da Ásia e até há pouco a dos Estados Unidos – não são eventos separados da subjetividade  humana. Elas surgem, crescem e declinam a partir de situações psicológicas que influenciam nossas decisões e ações. E daí a importância do que se fala e como se fala sobre os eventos da política e da economia, da segurança e da ética, enfim de todos os departamentos da vida onde, principalmente as multidões, trafegam em movimentos de manada.

As chamadas bolhas da economia acontecem sob crenças plantadas por discursos de líderes, operadores do mercado e, sobretudo, marqueteiros que induzem ao jogo e às apostas além da realidade, fazendo o ganho de poucos e o prejuízo de muitos quando as pirâmides da cobiça perdem sua sustentação. Isso acontece aqui, como em Wall Street ou na “City” londrina. E quando isso acontece novos discursos e novos líderes se agigantam com propostas de solução que, eventualmente, podem deflagrar um novo ciclo de prosperidade... até à próxima crise.

É nessa faixa, a da motivação psicológica – onde os políticos e especuladores sabem atuar com perfeição – que a mídia entra nessa história para o bem ou para o mal, dependendo do ponto de vista, do nível de compreensão e do interesse de cada jogador, aqui incluídos os bancos, os grandes grupos econômicos, os governos, o interesse particular das empresas de mídia, os ricos, a classe média e o povão, a grande parede que dá eco e força ao som produzido em outras instâncias, mesmo sem saber por que.

Nas últimas décadas, com o apoio da mídia, em sua produção jornalística e de entretenimento, conquistas sociais importantes foram aceleradas, como a valorização da mulher, a criminalização do racismo e a aceitação da homossexualidade. A marca dessa ação foi uma postura proativa, focando a solução, a saída com base na cooperação, fato que me leva a questionar, como cidadão e como jornalista: será que em algum tempo, em algum lugar, jornais, TVs e blogs aprenderão a falar sobre crises sem promover ou sustentá-las?

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 25/08/15 ]

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