Postado em 26 Nov 2015 01 06 Textos Anteriores
Querer ser bom, negando o mal, atira-nos
à falsidade da ilusão e seu séquito de
medos, geradores de sofrimentos
por JOMAR MORAIS
A palavra da moda é relativismo. No âmbito da filosofia, trata-se de um termo mais velho que a Sé de Braga, embora só nas últimas décadas tenha adentrado ao debate social de um mundo revolvido pela explosão de conhecimentos e pelo abalo de antigas crenças e padrões. Recentemente, emergiu com força nas redes sociais, em postagens iradas contra os que “relativizaram” os atentados em Paris, confrontando-os com a rotina de dor e mortes provocadas pelo terror em outras partes do planeta sem que tais fatos alcancem na mídia a mesma visibilidade dos ataques parisienses.
O relativismo cognitivo, aquele de que se ocupam os filósofos, nega a possibilidade das ideias absolutas e considera a mutabilidade de nossas percepções e interpretações. Já o relativismo cultural, que inspira e sustenta o debate social, realça a necessidade de reconhecer o valor de cada sistema cultural, na contramão do etnocentrismo e sua oposição a tudo que difere de um determinado ponto de vista.
Deixo aos eruditos a discussão sobre o relativismo cognitivo, aí incluído o argumento de que o relativismo se auto refuta, pois sua adoção implica aceitar também a ideia de que o relativismo é falso.
Como simples jornalista e trôpego militante espiritual, resigno-me em tentar entender a questão olhando para o movimento da vida e para minhas próprias mutações – e isso é bastante para convencer-me de que só a soberba nos faz acreditar que podemos apreender toda a verdade e, assim, transcender a fragilidade da condição humana.
Quando olho para o universo ou mergulho em minhas contradições, não há como não concordar com o rabino e escritor Nilton Bonder, em seu interessante Código Penal Celeste: “A integridade só pode ser vivida na condição de fragmento”.
Nada em nós é absoluto, lembra o autor. E, dessa perspectiva, a vida não é mais vista “como uma entidade, mas como uma função”, dinâmica e vulnerável.
No Gênesis, o dolo de Adão, ao comer da Árvore da Sabedoria – a árvore do bem e do mal – , é querer alcançar o absoluto. Para isso, ele tenta separar o bem do mal, mas, ao iniciar a sombra como uma entidade arrancada do objeto que lhe dá origem, faz nascerem o impulso ao mal e o desejo de ser bom, também fonte de transtornos e perversões.
Querer ser bom, negando o mal (uma visão absoluta), demonstra a incapacidade de aceitar-se como fragmento e atira-nos à falsidade da ilusão e seu séquito de medos. E, como diz Bonder, evocando o rabino Pinchas de Koretz, “quando uma pessoa tem medo de alguma coisa, ela é subjugada a essa mesma coisa”.
Percebendo-se maus, muitos homens se tornam capazes de fazer o bem, como demonstram as sagas de inúmeros santos. Mas a intenção do absoluto e da bondade pode resultar em intolerância e atrocidades, como provam a História e a atualidade humanas.
A paz e o bem, penso, pedem humildade e esta nos conduz, primeiro, à aceitação de nossa condição de parte (fragmento) da grande Vida, vulnerável no eterno movimento do cosmos.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 24/11/15 ]
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