Quem jamais te esqueceria!
Postado em 07 Jan 2016 05 46 Textos Anteriores












A Terra vista da Lua não deixa  
dúvida: são tolas todas as vaidades e  
a pretensão de que somos especiais.
  


por JOMAR MORAIS


Aproveitei a reclusão a que me permiti no primeiro dia do ano para rever uma das mais belas imagens de 2015: a foto, feita por uma nave que orbita a Lua a 134 quilômetros da superfície, na qual a Terra reaparece bela e repleta de significados. A imagem lembra a famosa “Blue Marble”, clicada em 1972 pelo astronauta Harrison Schmitt, durante a missão da Apollo 17. E, dessa vez, além da África, o Brasil é uma das áreas proeminentes na imponente bola azul e branca suspensa na escuridão.

A TV exibiu à humanidade a foto citada. Mas essa não é uma imagem para ser apenas vista e, sim, contemplada - isto é, admirada e observada, tirando-se desse ato uma reflexão que acrescenta compreensão e sentido às nossas vidas. (É possível reencontrá-la em http://hypescience.com/nova-foto-nascer-da-terra-da-nasa-e-simplesmente-deslumbrante/ )

Admirando-a, lembrei dos versos de Caetano Veloso na canção “Terra”, que ele compôs após deparar-se com a foto clicada por Harrison, quando ainda se encontrava preso em 1972: “Terra! Terra! / Por mais distante o eterno navegante / Quem jamais te esqueceria!” O planeta fulgurante, exibindo-se como Gaia, um organismo vivo, reunindo todos nós no mesmo destino, indiferente à pequenez de nossas vaidades e nossa miopia espiritual.

Nos anos 70, a discussão ecológica não tinha ainda alcançado a dramaticidade de nossos dias, quando a reação da natureza nos desperta, do jeito mais doloroso, para  um outro olhar sobre o nosso mundo. Talvez, por isso, tenhamos nos mantido indiferentes ao apelo de Caetano  -  “De onde nem tempo e nem espaço, que a Força te dê coragem / Pra gente te dar carinho, durante toda a viagem” -  até que, vinte anos mais tarde, a nave Voyager 1 nos retornasse a imagem da Terra a 6,4 bilhões de quilômetros de distância, mostrando-a como o "pálido ponto azul" que inspiraria o astrônomo Carl Sagan a escrever um livro marcante sobre o tema. (Reveja-a em http://hypescience.com/fotos-da-terra-vista-de-saturno-e-de-mercurio-dao-nova-perspectiva-sobre-o-planeta/ ) 

E, diante da acuidade e da poesia de Sagan, o melhor é “ouví-lo” na transcrição de sua fala em 1996. Nada mais tenho a dizer:

“Olhem de novo esse ponto. É a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem você ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. 

“O conjunto da nossa alegria e de nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada "superestrela", cada "líder supremo", cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali - em um grão de pó suspenso num raio de sol.

“A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, pudessem ser senhores momentâneos de uma fração de um ponto. Pense nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores de um canto deste pixel aos praticamente indistinguíveis moradores de algum outro canto, quão frequentes seus desentendimentos, quão ávidos de matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios.

“As nossas posturas, a nossa suposta autoimportância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são desafiadas por este pontinho de luz pálida. O nosso planeta é um grão solitário na imensa escuridão cósmica que nos cerca. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de outro lugar para nos salvar de nós próprios.

“A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que abriga vida. Não há outro lugar, pelo menos no futuro próximo, para onde a nossa espécie possa emigrar. Visitar, sim. Assentar-se, ainda não. Gostemos ou não, a Terra é onde temos de ficar por enquanto.

“Já foi dito que astronomia é uma experiência de humildade e criadora de caráter. Não há, talvez, melhor demonstração da tola presunção humana do que esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Para mim, destaca a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e para preservarmos e protegermos o "pálido ponto azul", o único lar que conhecemos até hoje". 

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 05/01/16 ]

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January
11 May 2016 21 26
It's really nice to see someone go to Hanakazu and experience the fresh sashimi. It's rarely mentioned but at least i ha9#3&env;t had sashimi to that degree of freshness in any of the top restaurants around manila. thankyou for this post
Jomar Morais
10 Jan 2016 13 42
Obrigado, carssimos Jorge Brana e Marcia Filgueira, pela leitura do texto e por seus comentrios enriquecedores. Estamos juntos, intricados na teia csmica indefinvel, viajando juntos como partes de nosso lindo "plido ponto azul". Grande abrao!
Mrcia Filgueira
09 Jan 2016 02 41
Em Maio de 2015 tive o prazer de assistir um vdeo que tratava desse mesmo tema e que me tocou profundamente... sua bela crnica, enriquecida pelos versos de Caetano, provocou igual emoo e ensejou novas e oportunas reflexes para esse perodo de virada de ano. Grande abrao, Jomar!

A propsito, compartilhei o vdeo no Facebook, a narrativa na voz do prprio Sagan e as imagens so lindas.
Jorge Brana
08 Jan 2016 04 47
Este texto nos chama de volta realidade. E nos traz uma grande paz quando olhamos da imensido nossa pequenez. Grato, Jomar.
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