Postado em 10 Mar 2016 18 51 Textos Anteriores
A compaixão pede o cultivo da lucidez e o amor
incondicional inclui a justiçaa, mas o bonzinho só pensa
em sua imagem e nos ganhos que pode obter
por JOMAR MORAIS
Na rede social, o tema em debate é compaixão, mas, de repente, a conversa esbarra na questão do bem e do mal e na possibilidade de alguém ser bom ou bonzinho.
Postado por um amigo, um comentário de Cláudia Dias Baptista de Sousa, uma jornalista agora conhecida como monja Coen Sensei, da tradição Soto Zen, vira mote para o diálogo. "A minha mão direita escreve muito. Mas a minha mão esquerda não sente ciúme ou inveja da mão direita”, diz Coen, repetindo argumento de um de seus mestres. “Um dia martelando um prego, distraidamente machuquei a outra mão. E a mão que segurava o martelo foi cuidar da mão machucada, que por sua vez não quis se vingar da que machucou”.
Uma sábia analogia da prática compassiva que a monja insiste em explicar. “Se vejo alguém em necessidade, eu irei cuidar, porque assim estarei cuidando da minha mão. Não é porque eu seja boazinha ou esteja numa posição melhor. Mas porque o outro também sou eu. O ar sou eu, a água sou eu, a árvore sou eu. Nós somos a vida da Terra".
Nesse ponto a conversa ganha novo contorno, pois a bondade é um ensinamento básico na cultura cristã e as palavras de Coen, à primeira vista, podem passar a impressão (errada) de que ela a menospreza. O protesto surge e o esclarecimento vem em seguida.
“A compaixão é uma ação cotidiana que envolve o cultivo da lucidez”, diz outro amigo. Isto é, pode-se querer ser bom numa perspectiva cultural condicionada, como é o caso do "bonzinho", que assim acoberta apegos (o desejo de obter vantagens aqui ou além) ou aversões (medo de crítica, rejeição...) ou querer ser bom por escolha consciente, quebra de condicionamentos, exercício de compaixão, não julgamento, enfim uma decisão gerada pela natural visão da unidade.
Concordo e, então, entro com o meu aparte: a prática amorosa jamais se confunde com o querer ser "bonzinho". O "bonzinho" é motivado pela intenção de parecer ser, a partir de uma expectativa de ganho, ainda que seja um mísero elogio. E isso não encontra respaldo nem na prática e nem nas palavras de Jesus, sempre afiado em sua análise das hipocrisias e das segundas intenções.
O amor considerado no Cristianismo é incondicional. Expressa-se no termo grego agapé, que em latim virou cáritas e em português caridade e, de modo algum, significa passionalismo ou pieguismo. É o amor que não depende de estímulos externos , mas é abrangente e inclui a justiça - esse aspecto da prática amorosa nem sempre bem-vindo e jamais considerado pelo "bonzinho", por temer represálias que o destituam de seu conforto.
Como se vê, foi um papo instigante em que, penso, só faltou a palavra sensata do rabino e escritor Nilton Bonder em seu interessante Código Penal Celeste: “Não é de se estranhar que todas as grandes perversões estejam associadas a querer ser bom (…) As ideologias e teologias da bondade, aquelas que quiseram exorcizar suas sombras, levaram às maiores atrocidades já praticadas na história”.
A bondade, em sua versão boazinha, pode ser a matriz da intolerância.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 08/03/16 ]
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