O espetáculo patético de homens corruptos evocando Deus no episódio da votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, na Câmara Federal, tema de nossa conversa na semana passada, é apenas um detalhe no uso de motivos religiosos para manipular consciências na guerra pelo poder que se vem travando no país. 

Nesse item merecem menção especial as mensagens que circulam nas redes sociais pedindo “orações pelo Brasil”. 

São tantas! Elas chegam às caixas adornadas de anjinhos, de imagens de Jesus contemplando o Brasil, de reflexos do sol no ocaso lembrando o desenho da bandeira brasileira. São tão piedosas que muita gente não se contém: logo as repassam aos seus contatos, na certeza de que assim estão contribuindo para o bem geral.

Não é de hoje que argumentos religiosos são utilizados para enganar, oprimir e estabelecer o primado dos interesses avaros sobre pessoas e multidões. Talvez resida aí uma das grandes causas da expansão do ateísmo e do materialismo, ao lado da concepção de um deus pessoal, antropomórfico, passional e francamente injusto.

A História escancara essa prática nociva que tem a idade do homem. E podemos vê-la se repetindo, de forma tosca, inclusive em nossa política regional do século 20, quando não faltaram a identificação de candidatos com o “anti-Cristo” e referências às falas de frei Damião e do padre Cícero para conquistar a alma e o voto de eleitores humildes e desinformados.

Agora, as coisas se fazem de um modo mais refinado, debaixo das mesmas intenções. 

Noto que as correntes de oração, no início das mobilizações pró-impeachment, começavam com apelos cândidos e logo degeneravam em referências a “governantes corruptos” e “comunistas ateus”. Isto é, subliminarmente incitavam os corações a tomarem partido e seguirem para as ruas. Agora, com o resultado da votação na Câmara e os ventos a favor de um grupo, as mesmas correntes tentam passar a ideia de que “Jesus está no comando” e “tudo vai dar certo”, induzindo as pessoas a guardarem silêncio e passividade em suas casas.

Quando leio esses textos de marketing político travestidos de mensagens espirituais, imagino o que Jesus – aquele que estaria “no comando” - faria na Esplanada de Brasília, ele que virou as mesas dos cambistas no templo e afrontou a hipocrisia dos fariseus e dos juízes do Sinédrio com a frase “as prostitutas entrarão no Céu antes que vocês”.   

De minha parte, reconhecendo a indigência moral e espiritual de tantos que se encontram à direita e à esquerda, no governo eleito pelo povo e no governo de fato dos interesses econômicos e das instituições guiadas por representantes de grupos poderosos e excludentes, penso que a sabedoria continua com as palavras de Salomão, no Eclesiastes:

“Há tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; há tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.”

Cada homem e cidadão deve discernir o tempo certo e atuar segundo a sua consciência, salvo das armadilhas dos aproveitadores.