O celular e a paisagem
Postado em 18 Aug 2016 14 52 Textos Anteriores










Talvez o aspecto mais grave do vício  
em celular seja o corte na relação  
do homem com a natureza  



por JOMAR MORAIS


O que nos faz perder de vista o essencial? Por que preferimos a agitação das formas em movimento à contemplação tranquila da natureza e do milagre da vida? Porque permanecemos distraídos, com receio de encarar a nós próprios, aos outros e às coisas com atenção plena? Será que vivemos de verdade assim, trafegando na superfície dos eventos, sempre preocupados com o que virá na sequência?

Estou com a família em Piranhas, Alagoas, para rever o Velho Chico e esta que é uma das cidades turísticas mais agradáveis do Nordeste.

Piranhas é um marco na história regional por, pelo menos, três motivos. A cidadezinha de 25 mil habitantes é o último ponto navegável do baixo São Francisco, o trecho do rio que separa Alagoas de Sergipe. Piranhas também esteve na rota do imperador Pedro II, em sua famosa viagem ao interior do Nordeste e, como entreposto comercial, teve seus dias de abundância, ao receber uma das primeiras ferrovias da região. Some-se a isso as construções barrocas, do século 18, o cinturão de serras que rodeia cidade e, depois da hidrelétrica de Xingó, o reservatório colossal que se estende por vários municípios, formando cânions que invadem grutas e paredões majestosos e se terá uma imagem desse santuário eco-histórico que se completa com a participação do vizinho município de Canindé do São Francisco, já no estado de Sergipe.

Para quem vem visitá-la, a Lapinha da Serra, como é também é conhecida Piranhas, oferece restaurantes típicos no centro histórico, shows que lembram o bando de Lampião – pois aqui foram exibidas as cabeças decapitadas de Lampião e Maria Bonita, após o confronto final com as“volantes”, na “Grota de Angicos, próximo à cidade – e, sobretudo, o passeio de catamarã nos cânions do São Francisco, incluindo banhos na Gruta do Talhado, já no município de Delmiro Gouveia.

O passeio, de 3 horas de duração, é um evento exuberante, entre diversas atrações, como as esculturas naturais nos lajedos, as águas volumosas e o verde da vegetação. Ainda assim, podemos ver pessoas que, passados alguns minutos de navegação, subestimam a paisagem e retornam aos aplicativos de seus celulares, em busca de algo menos tedioso ou mais excitante.

Muito se tem escrito sobre viciados em celulares e Internet, que preferem o contato virtual ao pessoal, que são capazes de sentar à mesa de um restaurante com familiares e amigos e permanecer em contato mudo com outras pessoas distantes, através das redes sociais. Mas, para mim, esse é um problema ainda mais grave quando perdemos a capacidade de entrar em contato com a natureza devido à rotina de estímulos turbinados pelo mau uso da tecnologia.

A mente é, por sua própria natureza, instável e os pensamentos, por seu próprio processo, tendem a nos arrastar do presente – o aqui e agora – para incursões improdutivas no futuro e no passado, cujo resultado é ansiedade e angústia, medo e violência. Entendê-la e adminstrá-la, assumindo o seu comando, é um dos sinais mais evidentes da maturidade emocional e espiritual de alguém que consegue viver plenamente, sendo útil a si mesmo e ao próximo.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 16/08/16 ]

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