A vida em uma bolha
Postado em 21 Oct 2016 18 42 Textos Anteriores











A ignorância  não nos deixa ver que   
podemos ser livres na infinita   
liberdade  e criatividade da  consciência  


por JOMAR MORAIS



Não tenho dúvida de que o ser – aquilo que está por trás das formas e do próprio pensamento – é livre. A natureza da consciência é liberdade e criatividade. No entanto, tenho todas as suspeitas sobre o discurso de liberdade das pessoas e até sobre seus sacrifícios para obtê-la no cotidiano regido por impulsos egoicos. A natureza do ego é escravidão, limitação. Não há como afinar as metas restritas do “eu” com as do universo, ou mesmo com as da comunidade, a menos que desistamos da narrativa estreita sobre o “eu” e sua pretensa majestade, separada e acima da rede universal.

Ofereça-se aos amantes a liberdade infinita da consciência e a resposta, certamente, será não. Dê-se ao subordinado a liberdade de agir e decidir e o resultado, provavelmente, será insegurança e medo. Contemple-se a sociedade com o direito de se organizar em pequenos núcleos com autodeterminação e haverá gritaria pela volta das instâncias macros de poder.

É bom e saudável o discurso de liberdade – ele evita que desçamos além do fundo do poço -, mas, por enquanto, o que nos satisfaz de verdade é construir ilusões de segurança criando bolhas de realidade onde nos apegamos a papéis e nos submetemos a poderes imaginários ou concretos, aos quais delegamos a responsabilidade de decidir sobre nossas vidas e a quem atribuímos a culpa por nosso sofrimento.

Vivemos em bolhas, formadas a partir de crenças e narrativas, onde êxtases e dores se sucedem, confinando-nos a uma experiência infernal que se expande do  psicológico para o “real” corriqueiro. Por exemplo: o que é a economia senão o desfilar de bolhas geradas por expectativas? Duas delas são recentes e devastadoras: a bolha das empresas digitais e a do mercado imobiliário americano, responsáveis por crises (outras bolhas!) mundiais. As bolhas incham, pressionadas por expectativas que produzem mais expectativas e, um dia, explodem. Ou em outra imagem apropriada ao mercado: construímos pirâmides que se elevam e, inevitavelmente, desabam. 

O fato de as bolhas explodirem é auspicioso. Todas explodem! Olhando para trás podemos ver em quantas delas já vivemos: as da adolescência, as da paixão, as do fanatismo, as da profissão, as das relações familiares... Todas explodem, mas, de imediato, as substituímos por outras, pois essa é a natureza de nossa pulsão egoica: queremos casulos que nos “protejam”. A ignorância nos impede de perceber que podemos ser livres na infinita liberdade da consciência e suas possibilidades criativas.

Não é fácil escaparmos às bolhas ou estabelecermos outro tipo de relação com elas, menos lesivo à integridade psicológica, espiritual e física. Mas o primeiro passo é saber que elas existem e como funcionam. 

Ideias, crenças, hábitos e tudo mais que as constituem são elementos virtuais sujeitos à lei de impermanência pela qual até as bolhas se acabam. Buscar refúgio na essência do ser, a consciência infinita e permanente e, de lá, observar esse cenário de imagens é um meio eficaz de romper nosso doloroso confinamento.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 18/10/16 ]


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