Sei que sei. E daí?
Postado em 11 Nov 2016 02 19 Textos Anteriores












Crenças e doutrinas herdadas de religiões tribais  
do passado promovem a intolerância e ocultam o fato  
de que sabemos pouco - ou nada! -  sobre o essencial  


por JOMAR MORAIS


O noticiário nos entrega um dado assustador: os casos de intolerância religiosa no Brasil cresceram 3 706% em cinco anos, segundo o Ministério dos Direitos Humanos. É um dado alarmante, mesmo quando se considera que as denúncias aumentaram depois do esclarecimento de que  intolerância religiosa é crime. Um crime que, na atualidade, parece associado a outro, o racismo, pois as maiores vitimas desse tipo de preconceito são as religiões de matriz africana.

Dizem que, por enquanto, apesar dos números, ainda não há nada parecido aqui com a intolerância religiosa em outras partes do mundo, ponto de partida de agressões físicas e guerras. Mas não seria um agravante o detalhe de que templos tem sido saqueados e destruídos por puro preconceito? 

Religiões são métodos pelos quais os homens praticam e desenvolvem a dimensão mais profunda do ser: a espiritualidade. São importantes para o crescimento pessoal e cumprem um papel relevante na acomodação social, burilando nossas pulsões egoicas. Mas, quando encaradas de um ponto de vista utilitário e imediatista, as doutrinas de fé exibem o seu reverso, vil e cruel. Tornam-se prisões, onde a liberdade e criatividade são esmagadas, e nos conduzem ao preconceito e à violência. A história comprova que a religião tem sido uma semeadora de guerras.

As últimas décadas acenaram com esperanças nesse terreno escorregadio. O diálogo entre o Ocidente e o Oriente e entre as fés ocidentais, margeando a tendência global de derrubar muros e integrar conhecimentos, enfraqueceu dogmas e relativizou doutrinas – o que é bom para todos e sinaliza que, finalmente, estamos abandonado a Terra plana e o universo estático da cosmogonia antiga. A vida é fluxo, renova-se constantemente, e as religiões e seus conceitos não estão fora desse eterno fluir.

É anacrônico - e perigoso! – que no século 21 ainda cultivemos crenças salvacionistas, segregadoras e agressivas, herdadas das religiões tribais do passado. Mas também no passado podemos encontrar uma saída. 

Quem sabe, aprenderíamos um pouco com o grego Pirro, filho de Pleistarco, fundador da escola cética, embora ele próprio não duvidasse de nada.
Pirro percorria as escolas filosóficas de Atenas, dialogava com todas, com fina ironia, e em todas aprendia a desaprender. Contentava-se em admitir seu saber limitado e sua imensa ignorância. “Eu não posso garantir que o mel é doce, mas concedo que ele parece doce”, dizia, para realçar que as coisas parecem isso ou aquilo conforme a percepção de cada um, sendo sensato concordar que não sabemos o que as coisas (o real, experimentado, não explicado) são. 

Aos olhos de Pirro, dizer “sei que nada sei”, como disse Sócrates, é dogmático e exibe um saber superior, uma “douta ignorância”. Ele preferia admitir que sabe algo, mas esse algo é irrelevante ante o real incognoscível. Sei que sei, mas o que sei é quase nada.

Olhar para o exemplo de Pirro, certamente, nos livraria da empáfia destruidora que a explícita ignorância promove na vida religiosa.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 08/11/16 ]

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