Trump e o fim de uma era
Postado em 18 Nov 2016 00 57 Textos Anteriores












Donald Trump não é a besta e nem fará tudo  
o que prometeu, mas sua chegada ao poder  
embute chances reais de um apocalipse  


por JOMAR MORAIS


Donald Trump, o magnata, é agora presidente eleito dos Estados Unidos. Provavelmente, não cumprirá todas as suas promessas de campanha e remendará outras. Nenhum presidente, mesmo poderoso e podre de rico, consegue governar um país, nem sequer uma empresa, sozinho. Ele cederá, ainda que parcialmente, às pressões da militância política e, sobretudo, às da banca e grupos econômicos,  simbolizados no poder de Wall Street, e às do Pentágono - as pernas reais da imperfeita democracia americana.

Trump não é o antiCristo, a besta, embora deva ter chances concretas de nos conduzir a uma situação apocalíptica, com danos para pobres e não alinhados com o conservadorismo político e econômico, dentro e, principalmente, fora dos Estados Unidos. Ele não elegeu a si mesmo, mas foi escolhido pela metade dos eleitores americanos (Hillary Clinton pbteve uma pequena maioria no voto popular, mas não levou o Colégio Eleitoral da regra americana). E esse é, para mim, o dado preocupante. 

Em tempos de crise, as pessoas continuam a esquecer seus melhores propósitos e, então, agem instintivamente, visando apenas a mera sobrevivência: o egoísmo predatório se impõe de modo absoluto, embora a vida demonstre todos os dias que surge e se mantém pela interação e cooperação (o que seria de nós se nossos pais tivessem nos deixado à própria sorte?). 

Isso explica, por exemplo, o fortalecimento da extrema direita nacionalista em países europeus no rastro das dificuldades econômicas e da descrença nas instituições e modelos sociais, aí incluída a democracia representativa e a casta dos políticos. Nos Estados Unidos, onde também a crise de 2008 (provocada em parte pelo estouro da bolha dos negócios imobiliários, setor em que Trump fez sua fortuna) ainda não terminou, essa mesma onda acaba de fazer a passagem de um magnata boquirroto e bom em marketing ao poder.

Donald Trump ganhou a eleição enfrentando corajosamente a elite dirigente de seu partido, o Republicano, os políticos tradicionais e, mais que isso, a mídia, a quem ele acusa de deturpar suas ideias. Mas não teria ido tão longe se não tivesse falado o que eleitores brancos, conservadores e desencantados, queriam ouvir: um discurso preconceituoso e truculento contra latinos e muçulmanos, vistos, respectivamente, como ladrões de empregos e terroristas em potencial; contra a globalização e os tratados de livre comércio (como a Nafta e o Mercosul), que teriam tirado privilégio, competitividade e também empregos dos americanos; contra o engajamento do governo em acordos mundiais antipoluição, que modera a economia predatória; contra o casamento gay e a liberação de costumes; e contra o poder da banca e dos corretores de Wall Street, criadores de bolhas econômicas que lesam milhões de pessoas.

Trump percebeu que a atual ordem mundial está em frangalhos e se dispõe a salvar seu quinhão e os dos americanos com uma dose imoral de xenofobia, protecionismo e pragmatismo, mesmo que para isso tenha de largar a mão dependente da Europa da OTAN e usar a força com outros países.

O que vem aí? Cúmulus nimbus, diria um meteorologista. Uma nuvem escura e espessa, capaz de derrubar até avião. 

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 15/11/16 ]

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