Uma manhã com Einstein
Postado em 07 Apr 2017 18 16 Textos Anteriores










"O homem pode, é certo, fazer o quer,  
mas não pode querer o que quer",diz  
Einstein, repetindo Schopenhauer.  



por JOMAR MORAIS


O que fazer quando os ponteiros avançam e a mente,  perplexa, não constrói a narrativa? É a palavra que dá sentido ao caos, aplaca, ordena, canaliza o fluxo contínuo da energia. Ainda assim, é frequente que nos flagremos inábeis para puxar os fios emaranhados e tecer histórias, abatidos pelo tédio ou pela dúvida. E isso não é mal.

Que seria dos santos sem a “noite escura” de insegurança e descrença? Que seria dos sábios sem a solidão impotente ante o mistério? É preciso esvaziar a mente do entulho dos conceitos vencidos para que a vida se reinvente no frescor de novas narrativas. 

Nesta segunda-feira amanheci perplexo. As manchetes me falam de um cotidiano repetitivo, modorrento. As verdades balançam ao vento de novas dúvidas. Em momentos assim, a conversa com um sábio pode ajudar-nos a não sucumbir ao peso da solidão e da incompletude. 

Então ouço Albert Einstein em “Como Vejo o Mundo”, as notas que ele escreveu dois anos antes de morrer, e me surpreendo. É bom saber que o gênio e o tolo podem ter algo em comum:

“Minha condição humana me fascina. Conheço o limite de minha existência e ignoro por que estou nesta Terra, mas às vezes o pressinto. Pela experiência cotidiana, concreta e intuitiva, eu me descubro vivo para alguns homens, porque o sorriso e a felicidade deles me condicionam inteiramente, mas ainda para outros que, por acaso, descobri terem emoções semelhantes às minhas.

“E cada dia, milhares de vezes, sinto minha vida — corpo e alma — integralmente tributária do trabalho dos vivos e dos mortos. Gostaria de dar tanto quanto recebo e não paro de receber. Mas depois experimento o sentimento satisfeito de minha solidão e quase demonstro má consciência ao exigir ainda alguma coisa de outrem. 

“(...) Ainda jovem, fiquei impressionado pela máxima de Schopenhauer: “O homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode querer o que quer”; e hoje, diante do espetáculo aterrador das injustiças humanas, esta moral me tranquiliza e me educa. Aprendo a tolerar aquilo que me faz sofrer. Suporto então melhor meu sentimento de responsabilidade. Ele já não me esmaga e deixo de me levar, a mim ou aos outros, a sério demais. Vejo então o mundo com bom humor. Não posso me preocupar com o sentido ou a finalidade de minha existência, nem da dos outros, porque, do ponto de vista estritamente objetivo, é absurdo. E, no entanto, como homem, alguns ideais dirigem minhas ações e orientam meus juízos. Porque jamais considerei o prazer e a felicidade como um fim em si e deixo este tipo de satisfação aos indivíduos reduzidos a instintos de grupo.

“Em compensação, foram ideais que suscitaram meus esforços e me permitiram viver. Chamam-se o bem, a beleza, a verdade. (...) Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisórias que têm por nome a riqueza, a glória, o luxo. Desde moço já as desprezava.

“Tenho forte amor pela justiça, pelo compromisso social.  (…) Mas conheço com lucidez e sem prevenção as fronteiras da comunicação e da harmonia entre mim e os outros homens. Com isso perdi algo da ingenuidade ou da inocência, mas ganhei minha independência. Já não mais firmo uma opinião, um hábito ou um julgamento sobre outra pessoa. Testei o homem. É inconsistente”.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 04/04/17 ]

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Jomar Morais
08 Apr 2017 02 35
Obrigado, caro Luis Fernando, por seu comentrio que agrega clareza e valor ao contedo de minha coluna desta semana.
Luis Fernando
07 Apr 2017 20 57
Sim, caro Jomar, h um certo conforto na alma saber que nossos sentimentos de amor e ao mesmo tempo,de modo paradoxal,cheios de estranheza, dificuldade de integrao e solitude possam se assemelhar s de um gnio que percebeu e testou a inconsistncia humana.Grato pelo texto.
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