Postado em 14 Apr 2017 19 28 Textos Anteriores
O significado do projeto alemão
para conter a violência e os crimes
de ódio nas redes sociais
por JOMAR MORAIS
O governo alemão acaba de anunciar um projeto para conter os crimes de ódio nas redes sociais. Isto é: alguém resolveu fazer alguma coisa contra a violência cometida contra pessoas ou grupos sociais em razão de preconceito. A proposta é que redes como o Facebook, Twitter e outras mídias sociais removam rapidamente de suas plataformas as postagens delituosas e as notícias difamatórias. Se não o fizerem, poderiam ser punidas com multas de até 150 milhões de reais.
Diante dessa iniciativa poderíamos exclamar na gíria dos jovens: demorô! A consciência, o senso de justiça, a dor dos agredidos, a ética, a civilização... tudo nos diz que é preciso fazer alguma coisa diante da violência na Internet. A decisão final caberá ao Parlamento alemão e é lá que o projeto deve enfrentar a fúria dos opositores e testar suas contradições.
Sob a inspiração do valor da liberdade, podemos questionar este ou qualquer outro projeto que vise conter o vandalismo digital – com perdão do trocadilho, já que está em foco um projeto germânico -, alegando que ele cerceia o direito à livre expressão do pensamento. No caso alemão, podemos ainda realçar que o país, por seu passado nazista e pelas tensões atuais em razão da forte imigração islâmica, constitui um contexto atípico entre as democracias ocidentais, o que tornaria compreensível, mas não aceitável, iniciativas do gênero.
Em princípio, acho que um projeto assim não ameaça direitos democráticos, apenas nos leva de volta à realidade de que direitos estão relacionados a deveres e a responsabilidade. Não se trata de impedir que as pessoas se expressem, mas que assumam o ônus por suas palavras e intenções, debaixo da lei e da ética. E, quanto às mídias sociais, esses poderosos veículos hoje tão influentes na validação de dados e valores em todas as faixas etárias, que não esqueçam seu compromisso social e sua submissão à legislação.
Antes de morrer no ano passado, o escritor italiano Umberto Eco, desencantado com os conteúdos que trafegam nas redes, afirmou que a Internet “promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. Antes ele “tinha direito à palavra em um bar, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”, agora “tem o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”. Há um certo ranço preconceituoso no desabafo de Eco, mas não podemos voltar as costas ao estrago que as palavras iradas e sem fundamento, propagadas pelas redes, produzem na vida de bilhões de pessoas, com a manipulação de fatos e o estímulo à bestialização do ser humano.
Em princípio, penso que o projeto alemão poderia inspirar iniciativas parecidas até para a mídia convencional, operada por profissionais. Também nesse nível não é raro perdermos a noção de que direitos, deveres e responsabilidade estão relacionados, permitindo que convicções e interesses se sobreponham à realidade, ao bom senso e à justiça. A liberdade de expressão não deveria ser maior que o respeito à dignidade humana, à verdade dos fatos e ao compromisso com tais princípios.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 11/04/17 ]
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