Oração sem devotos
Postado em 21 Apr 2017 19 19 Textos Anteriores










É a gratidão, e não as lamúrias,  
o segredo da eficácia da  
oração e mesmo da felicidade  



por JOMAR MORAIS


Depois das postagens iradas contra tudo, das queixas de solidão, das estocadas nos ex-amantes e das trolagens e pegadinhas, nada supera, nas redes sociais, as orações e correntes de fé. Nem mesmo os vídeos engraçadinhos com crianças e animais, um raro exemplo de conteúdo sem amargura ou violência em circulação no mundo virtual. Excluo desse rótulo a maioria das orações porque, quase sempre, elas revelam um traço de medo, depressão ou revolta no coração crente que as digitou.

Não se passa um dia sem que eu receba uma oração via Whatsapp, Facebook ou mesmo através do velho e esquecido e-mail. Não me incomodam, algumas me fazem bem, despertando-me para reflexões que não estavam ao meu alcance, e todas trazem-me o alento de que, na selva de pedra e soledade do cotidiano urbano, alguém lembrou de mim com um sentimento fraterno ou, imaginando o que sou e o que não sou, disparou em minha direção o seu grito de desespero ou de socorro.

Às minhas caixas chegam orações em todos os gêneros: prosa, verso, música. É uma explosão mística com a marca essencialmente humana de quase todas as orações feitas dentro e fora dos templos. Seus textos falam de nossos problemas e necessidades e imploram a Deus que os resolva. Muitas citam inimigos e rogam ao Céu que os afaste ou destrua-os. Outras desafiam Satã e sua insistência em contrariar nossos desejos. Poucas agradecem os dons da vida e as dádivas permanentes, essas coisas que um ego carente e exigente, mergulhado na escuridão da avareza, nunca vê.

As orações virtuais chegam em embalagens alegres e coloridas, recheadas de efeitos visuais e barulhos que dissimulam a amargura latente e, não raro, nos impedem de estabelecer a condição primeira para orar de verdade: o silêncio, a introspecção que nos proporciona falar e, sobretudo, ouvir Deus no âmago do ser. E muitas, lamentavelmente, escancaram o interesse terreno ou celestial dos que buscam ganhos para si, impondo obrigações ou insinuando ameaças divinas a quem não acatá-las e repassá-las ao resto do mundo.

Oração! Do meu jeito, improvisado e mais despojado que as rezas pragmáticas que aterrissam em minhas caixas, eu tento praticá-la diariamente, por reconhecer nessa prática um alimento espiritual indispensável à qualidade de vida. Os anos, no entanto, provaram-me que, é a gratidão e não nossas lamúrias – ainda que estas caibam na oração sincera – o segredo de sua eficácia, o segredo da felicidade.

Em matéria de rogativas, prefiro a do poeta indiano Rabindranath Tagore, uma prece definitiva com tão poucos devotos nas redes e no mundo:

“Senhor, esta é a minha súplica: fere, fere pela raiz a avareza em meu coração. | Dá-me forças para suportar alegremente minhas alegrias e tristezas. | Dá-me forças para que meu amor frutifique em serviço. | Dá-me forças para que eu nunca despreze o pobre, nem dobre meus joelhos diante do poder insolente. | Dá-me forças para elevar minha mente muito acima da pequenez do dia a dia. | E dá-me forças, finalmente, para entregar com amor minha força à Tua vontade”.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 18/04/17 ]

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Jomar Morais
25 Apr 2017 03 41
Que bom que voc gostou do texto, prezada Mrcia. Gratido. Estamos juntos.
Mrcia Filgueira
24 Apr 2017 23 58
Amei o texto! Traduziu bem meu sentimento em relao ao assunto e a entender alguns porqus... Diante da orao do poeta indiano fica mais facil entender muitos dos deletes - at meio constrangidos - que j dei por a.
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