Postado em 06 Jun 2017 17 23 Textos Anteriores
O sucesso não é incompatível com a
autorrealização, mas renunciar a esta
é a mais dolorosa das frustrações
por JOMAR MORAIS
-Vôri, você já foi famoso? - perguntou-me Yzabelle, minha “filósofa” preferida, minha netinha do meio.
- Não – respondi, sem detalhamentos.
- Acho que sim – ela voltou à carga, com a assertividade das crianças que abrem cortinas para descobrir paisagens e ampliar seu mundo.
Agora eu ri e perguntei-lhe porque estava falando assim e fiquei sabendo que em seus primeiros passeios pelo Google ela encontrara referências a meus textos jornalísticos, clicara no link para o meu website e lera o meu currículo, onde os cargos e funções que exerci são sempre precedidos da palavra “foi”.
Então expliquei-lhe que qualquer pessoa pode ter sua atividade registrada no Google e em outras instâncias da Internet e conversamos um pouco sobre o ofício – o jornalismo – que pratiquei profissionalmente durante quase quatro décadas, concluindo com algumas considerações sobre a desimportância da fama para a realização e a felicidade de uma pessoa.
Minha netinha silenciou, mas seus olhos diziam-me que não estava satisfeita. Insisti para que ela expressasse sua opinião e foi aí que a conversa afetuosa terminou, para mim, com um gostinho de frustração.
- Vôri, quando eu crescer quero ser famosa – disse-me ela, com um sorriso e a voz carinhosa de sempre.
Lembrei esse episódio de minha vida familiar ao falar, durante uma oficina em Assú no último final de semana, sobre um tema instigante: “Felicidade: sucesso ou autorrealização?” Mais do que nunca, em nossa cultura hedonista, consumista e midiática, a noção de sucesso (êxito, segundo o dicionário) aparece atada à exigência da visibilidade e da fama. E isso, não raro, tem nos levado a sofrimentos psicológicos inconfessáveis e à suprema frustração de entregar nossa alma ao diabo em troca de 30 moedas de aplausos.
O sucesso em si não é incompatível com a autorrealização, aquela sensação de bem-estar e de aprovação que emerge do fundo da consciência, comprovando que nossa vida tem sentido. Mas esta com certeza não acontecerá se não se tornar o móvel de nossas ações, guiando-nos para o lugar onde podemos exercer nossos talentos com alegria e espírito de serviço.
É uma questão de caminho e de coração. A fascinação pelo sucesso espetaculoso, com o ornamento da fama e as ilusões do poder e da riqueza, pode conduzir-nos à renúncia de nosso próprio caminho e à bússola de nosso coração, condenando-nos a caminhar como zumbis no caminho de outros, sem oriente e sem sentido.
Como ensina a sabedoria do Bhagavad Gita hindu, “é melhor morrer segundo sua própria lei do que sob a lei de outrem”. Ninguém pode ser feliz em um caminho previamente traçado, sem levar em conta seu desejo profundo, suas especificidades, seus talentos, sua vocação.
Nada – nem dinheiro, nem poder, nem status, nem fama e nem prazer sensorial – pode preencher o vazio de uma vida sem oriente e sem sentido. Uma vida na qual o medo tirou-nos a capacidade de correr os riscos inerentes à caminhada orientada pela bússola do coração.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 30/05/17 ]
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Eridan
27 Jun 2017 16 30
Ler e emocionar, so os caminhos do corao. Obrigada