Postado em 12 Jun 2017 18 41 Textos Anteriores
É possível ceder às condições
objetivas sem perder o rumo
e sem negar os princípios
por JOMAR MORAIS
Em tempos de escassez e de crise, agarramo-nos ainda mais a conceitos e verdades que nos parecem ser a única saída, a porta da salvação. Não é preciso muito esforço para perceber o perigo dessa opção.
Se na abundância efêmera dos desejos satisfeitos já nos sentimos o centro e a medida de todas as coisas, discriminando e segregando o que ameaça o conforto de nossas crenças, imagine do que somos capazes quando experimentamos a fluidez de nossas referências e a dificuldade de prover nossos caprichos. O medo pode nos tornar excludentes e violentos.
A claridade dos sábios que conseguiram escapar a essa armadilha egoica nos adverte: o que importa não é possuir a verdade, já que nenhum ser finito pode apreender a verdade do infinito. O que importa é ser verdadeiro, vivendo-se aquilo em que se acredita, sem deixar de relativizar a própria crença e sem perder a noção de nosso limite: somos parte de um todo multifacetado e incomensurável.
Todo sofrimento resulta da ignorância que nos prende no apego ao que nos é confortável. Resistir à dualidade e à suave tensão dos contrários que sustentam a aparência das coisas é cultivar a dor e a infelicidade.
Esse é o espaço em que emergem os falcões, os senhores da guerra, seja nos pequenos círculos ou no cotidiano das nações, na vida religiosa ou no dia a dia secular, repleto de estímulos aos desejos e aos combates. O conflito é o único modo pelo qual os possuidores da “verdade” imaginam preservar o seu poder frágil e em constante dissolução.
Mas, embora pareça, isto não é uma condenação que não se pode evitar.
No livro “A Via de Chuang Tzu”, o belíssimo ensaio do monge cristão (trapista) Thomas Merton sobre a filosofia do mestre taoísta Chuang Tzu, formulada há 2500 anos, há um texto que nos ajuda a refletir e, certamente, a pular a fogueira dessa tentação recorrente. Ei-lo:
“Toda vez que gastamos nossas mentes, apegando-nos teimosamente a uma visão parcial das coisas, recusando uma concórdia mais profunda entre este ou aquele contrário que o complementa, temos o chamado 'três pela manhã'.
“Um domador de macacos dirigiu-se a eles e disse-lhes: 'Quanto às suas castanhas, vocês terão três quantidades pela manhã e quatro à tarde'.
“Os macacos ficaram com raiva. Então, o domador lhes disse: 'Está bem. Neste caso, eu lhes darei quatro pela manhã e três à tarde'. Ouvindo isso, os macacos ficaram satisfeitos.
“As duas sugestões são equivalentes, pois o número de castanhas não se alterava. Mas em uma delas os macacos ficavam satisfeitos. O domador teve vontade de mudar sua sugestão pessoal, de modo a satisfazer as condições objetivas. E nada perdeu com isso!
“O verdadeiro sábio, considerando todos os lados da questão imparcialmente, vê-os todos à luz do Tao.
“A isto chama-se seguir dois cursos de uma só vez”.
É possível seguir no próprio caminho, guiado pela bússola do coração, sem desconhecer que os outros podem fazer o mesmo à sua maneira, assumindo o ônus de suas escolhas, colhendo os frutos de suas sementes.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 06/06/17 ]
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