O homem sem o amor
Postado em 09 Jul 2017 20 48 Textos Anteriores










"Nossos desejos nos cegam para a verdade  
que existe no homem, e esse é o maior mal  
que praticamos contra nossa própria alma"  


por JOMAR MORAIS


A morte de um amigo, o jornalista Paulo Nogueira, a quem muito devo, deixou-me abalado. Não pela morte em si, essa certeza única da vida. Não pelo fato de ele ter morrido aos 61 anos de idade. Jornalistas não são longevos. Exercem uma profissão desgastante e de alto risco e, não raro, são também consumidos pelo fogo de paixões ardentes que, se por um lado os levam a ousadia de enfrentar gigantes com seus estilingues, por outro podem minar-lhes a saúde ao conduzi-los a muitos excessos. 

A morte de Paulo, um dos maiores jornalistas do Brasil contemporâneo, abalou-me porque, por sua proximidade e por sua trajetória de vida, fez-me meditar ainda mais profundo sobre o sentido da vida, do mundo e sobre o que nele fazemos. E eu gostaria de escrever assim:

“O amor espontaneamente dá-se a si mesmo em inesgotáveis dons. Esses dons, porém, perdem o seu pleno significado se através deles não alcançamos o amor que é o próprio doador. Para conseguir isso precisamos ter amor em nosso próprio coração. Aquele que não tem nenhum amor em si mesmo valoriza os dons do seu amante apenas de acordo com a sua utilidade. Mas a utilidade é temporária e parcial. Ela jamais poderá ocupar o nosso ser inteiro porque aquilo que é útil nos interessa até o ponto em que temos alguma necessidade. Quando a necessidade é satisfeita, a utilidade, caso persista, torna-se um fardo. Por outro lado, uma simples lembrança é de valor permanente para nós quando temos amor no coração. Essa lembrança não se destina a qualquer uso especial. Ela é um fim em si mesma, é para o nosso ser inteiro e, por isso mesmo, jamais pode nos cansar.

“A questão é: de que modo aceitamos este mundo, que é um perfeito dom da alegria? Somos capazes de recebê-lo em nosso coração, onde estão entronizadas as coisas que têm valor imperecível para nós? Estamos freneticamente ocupados em usar as forças do universo para ganhar mais e mais poder. Todavia, foi para isso que nascemos? (…)

“Nos países onde prevalece o canibalismo, o homem vê o homem como seu alimento. Num país assim, a civilização jamais pode florescer. (…) Mas há outras formas de canibalismo, não tão grosseiras, mas não menos odiosas. Em países mais avançados encontramos o homem visto como mero corpo, comprado e vendido no mercado unicamente pelo preço de sua carne. Às vezes adquire seu único valor por ser útil; é transformado em máquina e comercializado pelo homem rico, a fim de adquirir mais dinheiro. (…)

“É uma autodecepção em larga escala. Nossos desejos nos cegam para a verdade que existe no homem, e esse é o maior mal que praticamos contra a nossa própria alma. (…)

“A civilização jamais pode se sustentar às custas de qualquer forma de canibalismo. Pelo fato de somente o homem ser verdadeiro, a civilização só pode se alimentar de amor e justiça”.

E, assim, sem palavras minhas para expressar meu pesar e os achados que a dor me traz, agradeço ao grande Rabindranath Tagore por nos levar, em seu livro “Sadhana, o Caminho da Realização”, a ver além do véu de nossas ilusões e delusões.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 04/07/17 ]

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