Postado em 25 Jul 2017 01 55 Textos Anteriores
Dispersão é um dos males menores do dinheiro
e do poder. O maior é o medo, que sufoca a vida
e rouba a paz na batalha sem fim da insegurança
por JOMAR MORAIS
Em seu terno e profundo “O Irmão de Assis”, uma biografia de Francisco de Assis em que fatos e poesia retratam o santo da Úmbria com toda a força de sua humanidade avassaladora e revolucionária, o capuchinho espanhol Inácio Larrañaga atribui a Francisco uma afirmação definitiva: “É difícil ter dinheiro e ser livre”.
Francisco acabara de sair de um encontro com os Spadalunga, família fidalga do burgo de Gúbio que, na contramão dos aristocratas da época, sempre o recebia com alegria e cortesia, em que pese a aparência desagradável de seu corpo vestido com trapos e de seu discurso heterodoxo. Ele os amava pela cordialidade e generosidade para com os pobres e isso o levava a balancear a palavra de seu mestre e senhor de que é “mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus”. Ricos como os Spadalunga também entrariam no Reino, pensava.
Ainda assim, considerava que Jesus tinha razão. O paraíso certamente estava na outra margem. “A riqueza é um redemoinho quase irremediável em que os ricos se afogam sem poder agarrar uma beirada”, escreveu Larrañaga.
É difícil entender Jesus, Francisco e o texto do capuchinho quando nos falta uma experiência marcante como a do próprio Larrañaga, liberto da depressão após observar as estrelas do céu pela janela do quarto. Aquele momento de foco e integração com o universo salvou-o da dispersão e ele, enfim, pôde ver além dos sentidos, alterando sua visão de mundo e projeto de vida, reencontrando alegria, fortaleza e, sobretudo, liberdade.
Dispersão é um dos males menores que o dinheiro e o poder, inevitavelmente associados, podem nos causar. Assim perdemos o senso da essência e o gozo suave de sua fruição. Enganamo-nos na carreira dos estímulos externos, que o dinheiro pode comprar, e sofremos o tédio de seus intervalos.
O mal maior desse “redemoinho quase irremediável”, no entanto, é o medo, que sufoca a vida e a autenticidade, escravizando-nos ao esforço sem fim para manter a fonte da ilusão na batalha incessante da insegurança.
Olho para os homens mais ricos e poderosos do mundo e penso na dor de sua solidão. Um presidente da República se sentirá à vontade em sua fortaleza, fazendo sexo sob a guarda de guarda-costas implacáveis que não lhe permitirão ir além do protocolo? No Brasil da ditadura e da redemocratização, Costa e Silva e José Sarney chegaram a “fugir” do Palácio da Alvorada e foram cassados como animais por seus seguranças até serem encontrados, pensativos, em parques públicos do entorno de Brasília.
Warren Buffet e Bill Gates se sentem plenos sem poder andar nas ruas sozinhos, dar uma escapada anonimamente, sentar num barzinho de vila sem serem reconhecidos?
Será que alguém sente-se bem com a vida confinada a procedimentos e amarrada ao toco das expectativas, sob pena de perder prestígio e lucros?
Existirão amigos quando o dinheiro, o poder e o papel são as referencias que nos traduzem no coração das pessoas?
Liberdade! Liberdade! Qual é o seu preço? Estamos dispostos a pagá-lo?
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 18/07/17 ]
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