Brilhe a vossa luz
Postado em 24 Aug 2017 06 02 Textos Anteriores










Nem pânico nem ódio. As soluções  
desejáveis de um ponto de vista ético, pedem  
serenidade, clareza e coragem para agir  
 
Conflitos raciais em Charlottesville, EUA 


por JOMAR MORAIS


Na noite do domingo, a revista da TV exibe dois fatos significativos relacionados aos recentes conflitos raciais em Charlottesville, no estado americano da Vírginia - a mais recente sinalização dos perigos extremistas e dos retrocessos político-sociais que marcam a atualidade dos Estados Unidos, da Europa, do Brasil e da maioria da comunidade das nações – e me faz pensar sobre a necessidade de não desistirmos do amor e da justiça.

De um lado, um jovem pai, vestindo o capuz da odiosa Ku Klux Klan, declara descaradamente que ensina ao seu filho, de não mais que 5 anos, a cultivar o ideal de supremacia branca e o racismo contra negros e judeus, enquanto a criança, também encapuzada, repete a palavra de ordem “poder branco”. De outro, a leitura em público de um pedido de desculpas de outro pai branco, envergonhado com a militância de seu jovem filho em um grupo  neonazista, emociona pela expressão de dor de um coração inclusivo e fraterno. “Ele não aprendeu isso em nossa casa”, diz o pai golpeado.

São cenas que me conduzem ao óbvio, àquilo que é gritante e insofismável e que, no entanto, não conseguimos perceber enquanto focados unicamente em nossos interesses pessoais, mesquinhos e imediatos.

O mundo que está aí é o resultado de crenças, atitudes e ações repassadas de pai para filho, com ou sem palavras, ao ritmo de nossa prática diária e interações com pessoas, coisas e eventos. Para que erros não se repliquem é indispensável que nos tornemos conscientes dessa realidade e dispostos a romper os círculos viciosos que se movem por inércia. E se, apesar de nossos esforços, o mal floresce como ideal de discriminação e de ódio que “não ensinamos em casa”, é imperioso que tenhamos a coragem de expressar nossa dor e nossa indignação, abominando incondicionalmente a iniquidade que se manifesta mesmo entre nossos amados.

As conjunturas brasileira e mundial revelam crises que transcendem a superficialidade dos jogos econômicos e políticos. Subjacente a todos os sismos setoriais existe um embate de crenças e valores, um conflito entre visões sobre o homem e a vida, determinantes de nossas ações e nossa imobilidade, nossa coragem e nosso medo, a plenitude da realização humana ou a carência de vidas débeis e vegetativas.

As soluções desejáveis de um ponto de vista ético pedem, antes, uma postura de serenidade, clareza e coragem para agir. Nem pânico nem ódio – só clareza e ação para que, a partir de nossas relações e intervenções, dos pequenos gestos para conosco mesmo e os mais próximos até a militância cidadã e a intervenção político-social, possamos contribuir com a mudança do pensamento retrógrado e das instituições perversas.

Uma velha lenda dos nativos Cherokee, da América do Norte, conta que um menino foi levado ao conselho de anciões por causa de seu comportamento agressivo. O avô do menino, presente à reunião, chamou o garoto e disse-lhe:

- Eu entendo sua raiva. Há uma batalha terrível entre dois lobos que vivem dentro de mim. Esses dois lobos tentam dominar o espírito de todos nós. Um é mau e age com raiva, orgulho, inveja, ciúme, medo, tristeza... O outro é bom e age com bondade, alegria, compaixão, fé...

Encantado com a narrativa, o menino perguntou:

- E quem vence essa luta?

O velho índio concluiu:

- Aquele que nós alimentamos.

Essa alegoria simples já deve ter sido replicada bilhões de vezes na Internet, mas a sabedoria profunda que ela expressa jamais consegue inspirar acadêmicos, analistas, técnicos, comunicadores, políticos, capitalistas, líderes religiosos salvacionistas e, sobretudo, os falcões da guerra e arautos do medo em suas falas sobre as crises que nos cercam.

Nosso mundo é a expressão de nossas crenças e valores. É o resultado do alimento que fornecemos ao lobo de nossa predileção. É a opção que fazemos entre a sombra e a luz que coexistem em toda a criação. Mas, de fato, quem acredita nisso?

[Publicado na edição do Novonoticias.com de 22/08/17 ]

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