Postado em 18 Sep 2017 14 08 Textos Anteriores
Como cidadãos, a maioria cristã contradiz
a sua fé, aprisiona-se ao medo e contribui para
manter o mundo injusto e materialista
por JOMAR MORAIS
Nossa conversa da semana passada, sobre a história e a incerteza, conduziu-me a uma reflexão sobre o papel da fé e os homens que dizem possuí-la em nosso mundo mutante. Claro, a fé a que me refiro diz respeito à espiritualidade do homem, à sua crença e relação com o divino e aos métodos que empregamos para praticá-la – isto é, as religiões.
Rememoremos: “A história é caótica”, segundo Yuval Noah Harari, especialista de Oxford e autor do livro Sapiens – Uma breve história da humanidade. Ela não pode ser explicada de forma determinista e é imprevisível. São tantas as forças atuantes e tão complexas as interações entre elas que, em determinadas circunstâncias, variações muito pequenas produzem diferenças gigantescas no resultado. Isto é fato.
Relembremos também: A visão acadêmica de Yuval talvez possa ser conciliada com a presciência e o determinismo em um modelo transcendental cuja compreensão pode ser facilitada pela alegoria em que o universo emerge como um jogo eletrônico e Deus como o seu programador. Para este, o jogo está jogado.
Sem fé, podemos simplesmente aceitar a imprevisibilidade da história e acalmarmo-nos, fazendo o possível para melhorar o mundo – e muitos ateus e materialistas fazem isso com maestria. Com fé, podemos estar preparados para lidar com a “incerteza aparente”, respondendo aos movimentos da história de um modo positivo e assertivo, baseada nos princípios que lastreiam nossa prática espiritual.
No dia a dia, contudo, não é bem assim que acontece. Em um mundo formalmente religioso, onde a quase totalidade de seus 7 bilhões de habitantes se declaram adeptos de uma escola religiosa, a resposta da maioria dos crentes, em especial nos momentos de crise, contradiz os princípios da fé manifestada – aí incluída a regra áurea comum do amor ao próximo - e revela corações e mentes petrificados no egoísmo e materialismo rasteiros.
Trata-se de um fenômeno universal mas, provavelmente, é no ocidente cristão, onde o individualismo ganhou ares de virtude, que a contradição entre fé e vida diária se tem estabelecido em níveis superlativos. Nesse aspecto o Brasil, de esmagadora maioria cristã, é um caso exemplar.
Brasileiros que superlotam templos onde reafirmam sua fé no amor, na compaixão, na justiça, na misericórdia e na coragem de viver esses preceitos do Evangelho são os mesmos que, na rotina laica, não conseguem pensar o bem estar coletivo e, sob a ação do medo, defendem soluções casuísticas e inconsequentes na ilusão de que, assim, contemplarão seus interesses pessoais e mesquinhos. Essa contradição entre a fala, o pensar e o fazer nunca produz frutos de harmonia e bem-estar.
Acreditar, por exemplo, que a violência urbana pode ser resolvida com violência estatal e aumento da exclusão ao invés da eliminação da injustiça e a promoção social dos explorados e marginalizados, é negar o fundamento da fé cristã, que inclui a fé no homem e a solidariedade.
Achar que a corrupção em nível institucional pode acabar com a simples dança de cadeiras entre pessoas comprometidas com interesses corruptos, enquanto no dia a dia cometemos nossas infrações “menores”, lesando o interesse de pessoas e da sociedade, é intensificarmos a hipocrisia, que Jesus tomou como uma das grandes causas dos males de seu tempo.
Ao presente dos cristãos brasileiros aplica-se, certamente, a exortação de Jesus aos apóstolos que se sentiam impotentes diante dos desafios do caminho: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá, e ele passará”.
A menor parábola cristã comporta duas leituras. A primeira diz respeito à potencialização que a fé provoca, podendo tornar viável o impossível. O segundo relaciona-se ao processo de desenvolvimento e expansão de um mundo diferente. Plantado, o grão de mostarda, com menos de 1 milímetro de diâmetro, em dois meses dá lugar a um arbusto frondoso onde aves buscam abrigo - algo parecido às pequenas variações que produzem efeitos grandiosos na história, na linguagem do historiador Yuval Harari.
Em ambos os casos, no entanto, nada ocorrerá se não acreditarmos, de fato, naquilo que dizemos.
[ Publicado na edição do Novonoticias de 12/09/17 ]
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