Postado em 28 Oct 2017 23 06 Textos Anteriores
O fechamento de jornais, sem
uma alternativa digital, é uma
ameaça real à liberdade
por JOMAR MORAIS
“Foi bom para você?”, pergunta a manchete de capa do NOVO, o Novo Jornal, neste 28 de outubro de 2017. O jornal, fundado oito anos atrás pela ousadia de Cassiano Arruda Câmara e, desde então, produzido por uma equipe de jornalistas brilhantes, manteve-se inteligente, criativo e bem humorado até o último dia. Sua edição impressa, após dois anos de buscas de sustentação econômica, sob controle do grupo Ritz, deixou de circular e é pouco provável que a corporação empresarial persevere na intenção de levar adiante a edição digital. Natal tem agora um único jornal diário e isso é ruim para todos, aqui incluídos jornalistas, leitores, as instituições, a sociedade e a democracia. Jornalismo e democracia alimentam-se da pluralidade.
Em todo o mundo, mídias feitas com papel e tinta sucumbem a cada dia por se terem tornado inviáveis frente a uma tecnologia de menor custo, limpa e de amplo alcance: as publicações digitais circulantes na Internet. Isso era previsível há pelo menos três décadas. No final, sobrarão os jornais, revistas, livros e demais produtos antes dependentes do meio papel que migrarem integralmente para o novo ambiente, reinventando-se sem perder a essência – no caso dos veículos jornalísticos, a expertise de informar e interpretar os fatos com profundidade e credibilidade.
O fim dos jornais de papel, em princípio, não afeta a qualidade do jornalismo, que pode ser bem feito sobre a base de bits dos computadores, a exemplo do que já se vinha fazendo há quase um século sobre as ondas do rádio e da TV. Mas, em vez disso, tem-se uma ameaça quando a substituição tecnológica abala e pode destruir condições indispensáveis à preservação dos fundamentos do jornalismo, como a liberdade e a diversidade de perspectivas e opiniões.
Junto com as facilidades de produção e distribuição do produto notícia, neste momento assistimos a uma perigosa concentração de poder nas mãos de poucas empresas de comunicação, aquelas que têm conseguido estabelecer seus nichos nas vizinhanças ou sob a dependência dos leviatãs midiáticos que mandam, de fato, no mundo digital: Google, Facebook e meia dúzia de redes sociais globais. Lá fora, os cadáveres de veículos que se tornaram obsoletos advertem-nos sobre a iminência de um mundo onde poucos pensam e decidem e onde a pluralidade é sufocada pela farsa do debate superficial, inócuo e manipulado.
Ok, isto não é uma profecia. A velocidade e o radicalismo das mudanças nos deixam perplexos. Podemos exagerar em impressões apocalípticas, assim como exageraram os que, no passado, menosprezaram os sinais do ocaso da mídia impressa. Mas a verdade é que estamos diante de uma possibilidade real de retrocessos na sociedade e no mundo na medida em que se debilita o jornalismo, ainda que temporariamente.
Apesar das mazelas históricas dos meios de comunicação no Brasil, geralmente atrelados aos interesses econômicos e ideológicos de uma plutocracia excludente, menos jornais (impressos, eletrônicos ou digitais) para revelar, criticar e cobrar significa menos diversidade e mais manipulação, menos transparência e mais corrupção, menos liberdade e mais obscurantismo, menos direitos e mais opressão. Enfim, menos democracia e mais iniquidade social.
Que o momento nos leve a muita reflexão e não menos autocrítica. Que possamos aprender com nossos erros. Que acolhamos com humildade nossas dúvidas e nossa impotência como ponto de partida para a definição de futuros experimentos.
Será que, na luta desesperada pela sobrevivência, a maioria dos que já tombaram não se teria perdido em opções suicidas, no empenho de garantir quantidade e lucro em detrimento da qualidade? Será que, nas últimas décadas, os jornais (e os jornalistas) souberam atuar para o cultivo e a formação de audiências qualificadas, hábeis para escolher, saborear e remunerar bons produtos editoriais? Inverter prioridades, colocando o entretenimento e a fatuidade à frente do jornalismo, na esperança de atrair as massas que se deleitam nos espasmos das postagens levianas nas redes, é realmente eficaz para criar e fidelizar uma audiência comprometida com o produto jornalístico?
Os fatos e o tempo darão a resposta.
“Foi bom para você?”. Voltando ao caso específico do NOVO, digo que, para mim, agraciado com um naco de espaço onde escrevi livremente enquanto durou, foi ótimo. Foi um privilégio seguir junto a jornalistas sérios, competentes e éticos. Arrisco-me a dizer que foi igualmente ótimo para os leitores, alvo e beneficiários do bom jornalismo que o NOVO lhes entregava todas as manhãs desde 2009. Foi bom para o jornalismo e, penso, por muito tempo ainda será, pelas lições que poderemos obter da experiência encerrada hoje.
Vida longa ao jornalismo e aos profissionais do Novo Jornal!
[ Escrito em 28/10/17 ]
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