Postado em 03 Mar 2015 15 34 Textos Anteriores
A dor, mesmo quando causada por um trauma
físico, é sempre uma experiência subjetiva
influenciada por nossos valores e crenças
por JOMAR MORAIS
Na caixa de e-mails encontro o último boletim do Hypescience, website que faz sucesso distribuindo notícias científicas e novidades tecnológicas. O título de uma das notas é sugestivo: “Sem dor não existe prazer”.
Seria uma obviedade para quem, como eu, já se deu conta de que a tensão entre os opostos é a matéria prima daquilo que chamamos realidade. Mas nesse momento, para mim, o título é mais que uma informação, é um bálsamo, um consolo. Há cinco dias tenho convivido com a dor intensa de uma entorse na coxa direita, até aqui resistente ao repouso e à medicação, possivelmente por ter afetado a coluna vertebral.
Lembrar que precisamos da dor, essa mestra persistente, nos ajuda a entendê-la e a aceitá-la, tornando suave e proveitoso o relacionamento indesejado.
No texto citado, essa verdade, percebida antes por filósofos e santos, é apresentada da forma mais convincente para os homens de pouca fé e escassa filosofia de nosso tempo: trata-se de um estudo publicado pela revista científica britânica “Personality and Social Psychology” no qual são enumeradas as contribuições da dor para a experiência do prazer e o crescimento pessoal - todas óbvias, mas agora referendadas por dados empíricos controlados e avaliados em laboratório.
Destaco a conclusão de que a dor, a exemplo da meditação, conecta-nos ao presente, fato que costuma abrir novos portais de compreensão do mundo e da vida que os devaneios no passado e no futuro não nos permitem vislumbrar. Realço também a “descoberta” de que a dor nos une às pessoas e pode nos tornar mais compassivos e generosos.
Toda dor, mesmo aquela emergente de um trauma físico, é uma experiência subjetiva, influenciada pelo modo como a vemos e lidamos com a sua ocorrência. A dor, dizem alguns estudiosos, é um fenômeno biopsicossocial e não uma entidade dicotômica. Logo, experienciá-la é algo sujeito às variações culturais e de crenças.
Em nossa sociedade hedonista, que persegue a ilusão do prazer sem fim, a simples expectativa de dor tornou-se um tormento para criaturas inabilitadas para extrair da experiência dolorosa novas lições de vida. E a tolerância zero a todo incômodo físico ou psicológico transformou-se em aflição que potencializa a dor real e atropela esse aprendizado.
Nesse labirinto de desespero, certamente, a saída passa por um olhar em direção a quem se tornou exceção à regra.
Diante da nota do Hypescience penso em dois personagens distintos, mas bem-humorados, que souberam tirar do sofrimento o máximo de proveito para si mesmos e para a humanidade: Francisco, o santo de Assis, espalhando o bem e produzindo poesia sob a padecimento incontornável da lepra no século 13, e Stephen Hawking, o maior físico da atualidade, fazendo ciência de ponta embora preso à paralisia provocada pela esclerose lateral amiotrófica. É impossível dissociar a dor da grandiosidade de suas missões.
Quanto a mim, com a minha dorzinha certamente passageira, tenho aprendido pelo menos a agradecer à minha íntima e indesejada visitante. Irmã Dor, generosa, me deixa teclar e, de presente, inspirou-me estas mal traçadas linhas.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 03/03/15 ]
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