Postado em 06 May 2015 23 45 Textos Anteriores
Não haverá paz no mundo e respeito entre as
pessoas enquanto nos comportarmos como
abutres diante do banquete das misérias humanas
por JOMAR MORAIS
Uma postagem numa rede social abalou o final do meu feriadão. Assinado por um membro da Justiça, o texto referia-se a um episódio relacionado ao assassinato brutal de um jovem caicoense :
"Num momento de imensa dor para a família e amigos do jovem morto por esses dias, vejo em meu Facebook, de maneira intrusiva, fotos do corpo do falecido. Não só desnecessárias, como desumanas e indignas. Daí entro na página "jornalística" para enviar uma mensagem de repúdio, mas, quando vejo que a referida página tem mais de 90 mil curtidas, desisto. É abutre demais para dar conta".
Meu instinto de repórter levou-me a averiguar os fatos. A página, na verdade um blog denominado “Notícias no Face”, está ativo há um ano e, a julgar pelo número de curtidas no período, deve ter recebido pelo menos 200 mil cliques, sob a promessa de entregar ao leitor “a notícia como ela é”.
A publicação não é a única a dissecar as misérias humanas nas redes sociais (onde há milhares de blogs do gênero), mas, como a maioria das outras, é produzida sob semi-anonimato e sem os critérios que deveriam nortear a atividade jornalística. É obra de amador, talvez gente que lida com ocorrências policiais no exercício de outra função. A abundância de fotos de “presuntos” e relatos de tragédias sugerem a existência de muitos colaboradores.
Não foi “Notícias no Face” quem inventou a fórmula “escândalo e sangue” para atrair leitores. O sensacionalismo e o “jornalismo marrom” (aquele da difamação e das chantagens) tiveram dias de glória sombria em jornais, revistas e no rádio e hoje comemoram a sobrevida em horários nobres da TV, seja na versão escrachada e histriônica – a dos Datenas e assemelhados - ou no estilo polido de telejornais nobres. Nas redes sociais, no entanto, esse jeito irresponsável de tratar a informação, operado por amadores, ganhou contornos de uma enorme ameaça à sanidade coletiva e à honra das pessoas.
Ao ver as imagens publicadas na página citada e em outros blogs do horror, senti-me profundamente incomodado, mas nada me impactou tanto quanto sua vasta audiência. É aí, penso, que está o melhor diagnóstico do problema, um nível acima dos estudos recentes sobre os chamados linchamentos digitais e do clamor pela atualização dos códigos legais às novas circunstâncias geradas pela tecnologia.
Se há quem opere - e até ganhe muito dinheiro – com a exposição espetaculosa da maldade, da violência, do sangue, da injúria e da difamação é por que existem “abutres” que desfrutam cadáveres decepados e reputações enlameadas, em mórbido exercício de catarse.
E abutres – por favor, não se assuste – existem em cada um de nós, sempre prontos a arrastar-nos ao banquete de restos putrefatos, mesmo que disfarçado de “justa” indignação.
O ponto, aqui e agora, não é xingar e encontrar mais um culpado. É descobrir como fazer tantas almas rastejantes a verem o sol e a trocarem o cardápio, em favor de um mundo mais humano e proativo.
[ Publicado na edição do Novo Jornal de 05/05/15 ]
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Jomar Morais
08 May 2015 01 25
Grato, caro Jorge Brana. preciso remar contra a corrente. Felizmente temos textos como os seus neste PJ. Abrao.
Jorge Brana
07 May 2015 23 50
um grande problema o que enfretamos. Hoje todos querem ser reprteres e dar furos jornalsticos sem se preocupar com o senso de dignidade do ser humano. Grato pelo texto!