O pior ainda vem por aí
Postado em 26 Dec 2018 18 38 Textos Anteriores











Novos aplicativos prometem ampliar  
o poder destrutivo das fake news  
sobre a verdade e a honra das pessoas  



por JOMAR MORAIS


Se você é um dos que ficaram estarrecidos com o estrago provocado pelas fake news (notícias falsas) espalhadas através das redes sociais durante eventos políticos recentes, como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o plebiscito sobre a saída do Grã-Bretanha da União Europeia e a eleição de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil, então prepare-se. As notícias (verdadeiras) sobre como a praga das fake news poderão influenciar eventos futuros (dentro e fora da política), com consequências devastadoras sobre a vida e a reputação de pessoas e instituições e, sobretudo, sobre a noção de verdade, são aterrorizantes.

Uma amostra. Em pouco tempo estarão disponíveis novos aplicativos que elevarão a produção de mentiras a um nível de refinamento que, praticamente, impedirá uma pessoa comum de perceber por si mesma que está diante de uma fraude, só passível de ser desmascarada por peritos com a ajuda de alta tecnologia. São os chamados “realfakes” ou “deepfakes”, programas que permitem criar fotos e vídeos colocando a imagem de uma pessoa em qualquer cenário ou situação fazendo ou dizendo algo que jamais fez ou disse na vida real.

Com isso, manipuladores de consciências, marketeiros e políticos desonestos, empresas inidôneas, mafiosos, o vizinho revanchista ou invejoso e, certamente,  órgãos de polícia política e agências de segurança terão à mão uma arma ainda mais perigosa e torpe para destruir adversários e alcançar seus objetivos inconfessáveis.

“O pior ainda vem por aí”, diz o psicólogo Robert Epstein, doutor pela Universidade de Harvard (EUA) que tem estudado, nos últimos anos, a atuação nas redes sociais das gigantes de tecnologia Google, Facebook e Whatsapp. Ele está assustado com as evidências apontadas por suas pesquisas. Os danos causados pela maneira como as redes sociais são gerenciadas pelas empresas provedoras e a ação de grupos de manipuladores é bem maior do que se imagina e isso levou Epstein a defender a interferência direta da sociedade e dos poderes constituídos para disciplinar e monitorar a ação desses provedores.

Os provedores de redes sociais são as forças mais 
poderosas da Terra. Forças do caos, sem controle  

“Essas empresas são as forças mais poderosas do mundo e, com elas, as redes sociais. Ninguém, nenhuma empresa ou entidade deveria concentrar tanto poder e continuar imune ao monitoramento”, afirma. Na situação atual, elas “são forças do caos”, nocivas à democracia. 

Nesse contexto, uma das maneiras mais eficazes de exercer influência política é dar dinheiro a candidatos para que eles usem e abusem da tecnologia para obter votos. "Hoje cria opiniões quem gritar mais alto e falar aos medos de segmentos e ideias pré-concebidas do público. Sem controle, sem processos, sem prestar contas a ninguém. Isso é um futuro bom? De jeito nenhum. Acho que estamos indo numa direção muito perigosa", ele disse em recente entrevista à BBC.

Só o algorítimo do Google consegue mudar
intenção 
de voto de até 63% dos eleitores  

Os temores do psicólogo têm base em números. Na eleição americana de 2012, Epstein mediu, com critérios científicos, a influência das buscas na Internet sobre a decisão de voto dos eleitores e constatou como a simples ordem das respostas do Google era capaz de alterar as preferências das pessoas. Baseado em pesquisas semelhantes realizadas anteriormente com relação a compras de produtos, ele estimou que entre 2% e 4% das pessoas deveriam alterar a preferência de voto durante seu experimento. Mas os números obtidos foram alarmantes: "No primeiro teste, a ordem de apresentação de resultado da busca alterou em 48% a intenção de voto". No segundo teste, a alteração foi de 63%."   

Fenômeno restrito aos Estados Unidos? Não. Em 2014, o laboratório de pesquisa de Epstein foi levado à Índia, a maior democracia do mundo, com 815 milhões de eleitores, que naquele ano realizou eleição parlamentar. "Os resultados foram idênticos aos dos Estados Unidos",  ele diz. "Os eleitores indianos foram igualmente afetados pelo modo e ordem em que os candidatos eram apresentados em buscas". 

Que números o estudo de Epstein apresentaria se tivesse sido aplicado durante a campanha eleitoral deste ano no Brasil, especialmente se tivesse medido a influência dos memes e fake news espalhados através do Whatsapp?

Apesar dos controles anunciados, a produção
de fake news aumentou em relação a 2016

Em seu diagnóstico, o psicólogo concluiu: "Vivemos numa era de profundas transformações e de poderes que jamais acreditamos ser capazes de influenciar o modo que pensamos e que agimos. (..) "A manipulação dos resultados de busca pela alteração do algoritmo e pela criação de eventos efêmeros, a capacidade das plataformas de eliminar contas sumariamente e divulgar, através de conteúdo fornecido por terceiros, informações falsas, acontecem porque nossas instituições ainda estão vivendo num mundo onde nada disso existe", diz Epstein.

Na campanha que antecedeu a eleição da última terça-feira,  06/11, nos Estados Unidos, a influência das fake news , agora também chamadas de notícias-lixo, foi monitorada, dessa vez pelo Oxford Internet Institute (OII). Segundo o OII, apesar do debate e das investigações sobre o papel das fake news na eleição de 2016, quando Donald Trump foi eleito, o uso de notícias-lixo em 2018 superou o da campanha passada. 

Foram analisados 2,5 milhões de tuítes e 6.986 páginas do Facebook durante outubro deste ano. Não foram pesquisados memes, mais difíceis de serem detectados pelos radares de pesquisa por não conterem links. Mas a informação-lixo visual é um problema grave, já que as imagens são capazes de distorcer a realidade política e costumam se espalhar como fogo nas redes sociais.

Eleitores conservadores e de extrema direita
consomem mais fake news que esquerdistas

Segundo relato da BBC, os grupos mais propensos a compartilhar e consumir as notícias-lixo no Facebook são as páginas vinculadas à “extrema direita” e os “conservadores tradicionais”. Segundo os pesquisadores do OII, a base que sustenta o presidente Trump conseguiu se expandir para republicanos mais tradicionais: “As notícias-lixo consumidas pelos seguidores de Trump e a extrema direita agora são consumidas por usuários conservadores”. A esquerda começou a copiar os métodos dos seguidores de Trump, mas seu alcance é mínimo: não supera 5% do que consomem as bases progressistas.

É de grande importância que no Brasil venhamos a ter dados sobre o consumo de fake-news por eleitores da extrema-direita, da direita, do centro e da esquerda. Aliás, é importante que venhamos a ter a maior quantidade possível de dados sobre o consumo e, sobretudo, a produção de fake news, para o bem de nossa democracia cambaleante  e pela preservação dos direitos básicos da cidadania.

A situação é sombria em toda parte. A verdade e a informação estão ameaçadas. “O jornalismo está sendo destruído pela internet, e isso nos leva a um futuro incerto e muito perigoso", diz Robert Epstein. As pessoas não têm mais como discernir o verdadeiro do falso, porque a informação vem de todos os lados sem os filtros, que eram os processos de apuração do jornalismo".

Efeito das fake News no cérebro é semelhante
ao das drogas e produz infantilização emocional 

E por que tanta gente compartilha fake news, potencializando  seus efeitos e tornando-se cúmplice desse delito? 

Para o psiquiatra e diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria isso acontece porque tal compartilhamento lhes dá uma sensação de bem-estar semelhante à de usar drogas.

"Quando a pessoa recebe uma notícia que a agrada, são estimulados os mecanismos de recompensa imediata do cérebro que produzem uma sensação de prazer instantâneo, assim como as drogas. Ocorre uma descarga emocional e a satisfação é imediata. Isso impulsiona a pessoa a transmitir compulsivamente a mesma informação para que seu círculo de amizades sinta o mesmo. Por isso, há os encaminhadores compulsivos", explica o psiquiatra.

Segundo Martins, essa sensação de euforia causada pelas notícias falsas impede o desenvolvimento de um senso crítico em quem as recebe. É a "infantilização emocional", que faz com que poucas pessoas se preocupem em checar a origem ou a veracidade da informação.

O psiquiatra acrescenta que esse movimento causa uma angústia que leva a pessoa a imaginar que é portadora de uma novidade que deve ser contada com extrema urgência. O sentimento, explica, é o mesmo quando alguém ouve uma fofoca.

O pior ainda está por vir: mais transtornos de
personalidade e ameaças à liberdade

Mas, quando o assunto é política, o perigo é ainda maior: “O campo da política é muito propício para esse fenômeno. O ser humano tem essa tendência a buscar crenças, mágicas. Quando ele recebe correntes de pensamento político, incorpora aquilo como uma verdade absoluta, amplia e divulga para reforçar sua satisfação. Ele usa o mecanismo para compartilhar sem pensar. Uma certeza é que as fake news são um fenômeno novo que atrai pessoas com transtornos de personalidade sérios.

Os escândalos e os resultados provocados pelas fake news  disparadas nas redes sociais por praticamente todos os grupos políticos brasileiros a partir da eleição de 2010 - e incrementadas pela extrema direita na eleição presidencial deste ano – não deixam dúvidas. Também no Brasil, em matéria de riscos à liberdade e à verdade, “o pior ainda vem por aí”.    
  
                                                                      [ Escrito em 10/11/18 ]


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