UMA TACACA MADE IN CHINA
Postado em07 Aug 2016 02 12 HISTORIAS DE MERICO


 
Após passar um mês preso por estar fabricando Guaraná Antártica com raspa de juazeiro e vendendo aos romeiros em Carnaúba dos Dantas, Zé de Doca abandonou a vida de comerciante de produtos duvidosos, aquietou-se no seu sítio e passou a sobreviver da agricultura.

Mas como o ganho era pouco e a prole grande, começou aventurar-se pelos pés de serra como caçador. De vez em quando matava um bicho que comia com a família ou vendia em Mericó, principalmente, aos donos de bares para tira-gosto.
 
Aos poucos, foi tornando-se comum receber encomendas de tacacas, tejuaçus, rolinhas e preás. Com uma espingarda de soca a tiracolo, fojos e quixós armados, jamais deixava de atender ao pedido de um freguês.
 
Naquela manhã de domingo, quando Chico Birro chegou para abrir o bar, estava ele sentado segurando entre as mãos um saco respingado de sangue de onde exalava um cheiro forte de tacaca.
 
- Taqui a bicha que o sinhô encomendou.
 
- Ô caçadô véi macho! Vou já  mandá a mulé torrá-la que o tarrabufado hoje aqui vai sê grande.
 
Passadas algumas horas de propaganda boca a boca, a turma da aguardente começou se encostar-se ao balcão e tomar umas e outras com o famoso tira gosto.
 
- Eita, que a danada o que tem de fedorenta, tem de boa! Parece galinha!
 
Entre caretas, elogios e bicadas de pitu, a panela ia esvaziando-se quando chegou Tião do Motor, apreciador de um bom guisado de caça e de uma cachaça brejeira com anis estrelados.
 
- Homi, e eu já tava era com medo de num tê mais uma tacaquinha! Bota logo uma talagada daquela que matou o guarda, e me dá um pedaço desse troço aí. – Falou, engoliu a bebida, fez uma careta, estalou o dedo no alto da cabeça e encheu a boca com um pedaço avantajado do guisado.
 
Do mastigado rápido, na ânsia de deglutir o alimento, foi ele desacelerando o ritmo até parar, fazer uma careta e cuspir todo o conteúdo no meio da sala.
 
- Qué que há cumpade Tião? – Perguntou contrariado o dono do bar.

- Isso aqui, cumpade, num é Tacaca nem na caixa bozó!

- Mas home, é tacaca sim! Num tá sentindo o cheiro da danada, não?

-  Que tem catinga de tacaca, tem! Mas digo, repito e provo: Isso aqui num é tacaca nem nos inferno!
 
Instalou-se a celeuma envolvendo o dono do bar, Tião e os demais fregueses. Alguns tinham certeza de que o animal era tacaca, outros passaram a achar que o sabor era esquisito e podia, mesmo, não ser.
 
Para por fim à confusão, Tião, acompanhado do dono do bar e de alguns presentes dirigiram-se à casa onde o guisado fora preparado, para inspecionar os restos do animal e passar a história a limpo.
 
Naquele mesmo domingo, mal acabara de chegar da feira, Zé de Doca recebeu a visita de um soldado acompanhado de um cabo recém-chegado em Mericó. 

- Teje preso, Zé de Doca!

- Eu? Mas porque, seu cabo?

- Além de caçar, que é proibido pela lei, você andou vendendo tacaca falsificada.

Sem oferecer resistência Zé seguiu para a cidade à frente dos policiais, silencioso como se estivesse a remoer algo de difícil compreensão. No meio do caminho parou, virou-se para o soldado e perguntou:

- Mas só me diga uma coisa: Como diacho descobriram que aquele bicho num era tacaca?

- Até respondo, Zé, mas só se você disser como botou cheiro de tacaca num timbu.

- Home, eu tem em casa um saco de bufa de tacaca. É só botá no sol, aí o óleo derrete e a catinga sobe. Aí é só esfregá em qualquer coisa que fica com fedor de tacaca.

- Pois, Tião descobriu que não era tacaca pelo gosto da carne e pelo que sobrou das patas do bicho provou que era um timbu.

- Já vi relógio, bebida e até dinheiro falsificado. Mas tacaca, é a primeira vez. – Falou o cabo, recém-chegado a Mericó,  quase resmungando.

- É, parceiro. Vai se acostumando que em Mericó acontece coisa que até Deus Nosso Senhor duvida.
  
Aldenir Dantas

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13 Aug 2018 22 47
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