O REENCONTRO ENTRE A DJ MARAIA E MANÉ MARCHANTE
Postado em14 Aug 2016 21 47 HISTORIAS DE MERICO




Nos seus 135 quilos mal distribuídos, Mané Marchante era uma das figuras mais conhecidas da região, especialmente pelos seus excessos, esquisitices e humor oscilante.

Anticlerical, a última vez que foi numa missa tinha 15 anos. Forçado pela mãe, católica fervorosa, fora se confessar, mas, além de recusar contar os pecados ao padre, disse-lhe que este era tão pecador quanto ele, citando fatos, inclusive.

Diante de tamanha insolência, o confessor perdeu a compostura, saiu do confessionário e, chutando-lhe nos pés, ordenou que se retirasse:

- Levante-se e saia daqui, seu burro!

- Mai burro é o sinhô qui tá dano coice! – Retrucou, saiu e nunca mais entrou numa igreja.

Herdara do pai a profissão de marchante, na qual labutava desde os 10 anos.

Respeitado por todos pela lisura com que conduzia o seu negócio e temido pelas reações explosivas, era um homem de extremos: ia da generosidade à incivilidade, da irritabilidade ao sentimentalismo. Diziam que tudo dependia da sua lua.

Também era famoso por falar alto e não medir palavras, especialmente quando se referia aos que chamava de “gente metida à besta”.  Dentre outros, incluía ele nesta categoria, os conterrâneos que, passando algum tempo no sudeste, voltavam com ares de importância e falando diferente.

Naquele dia, após quinze anos morando na capital, visitava Mericó a filha de seu Manoel Raimundo. Seu pai era barbeiro em Mericó, mas, dominado pelo alcoolismo, abandonou o ofício e, após sofrer severas privações com a família, mudou-se para Natal em busca de outro meio de vida.

Bonita, desenvolta e detentora de uma bela voz, aquela jovem conquistara um emprego de locutora na primeira rádio FM do Estado e o status de uma quase estrela com milhares de ouvintes e fãs.

Ao lado da filha do prefeito e seguida por uma miniprocissão de curiosos, Maraia (nome artístico de Maria) visitava a feira demonstrando notório cuidado onde pisava, tocando algumas coisas com a pontinha dos dedos, forçando um interesse aqui, outro ali e falando com um sotaque natalense cuja autenticidade dispensa comentários.

Ao passar pela feira da carne, levou as mãos ao nariz, incomodada pelo cheiro forte do miúdo, do peixe e apressou o passo fugindo ao aspecto pouco convidativo das bancas de carnes de um velho mercado interiorano.

Após acompanhá-la com o olhar em cada  movimento,  observando-a dos pés à cabeça, Mané Marchante certificou-se de quem se tratava e, após livrar-se da faca peixeira, espetando-a num quarto de porco, dirigiu-se à jovem com a camisa aberta, exibindo a avantajada barriga reluzente de suor e salpicada de felpas de carne.

Vale ressaltar que o velho Marchante nunca fora visto com a camisa abotoada. E mesmo que tentasse fazê-lo, decerto não conseguiria. A barriga não permitia.

Aquela era a sua marca registrada há muito incorporada no universo mericoense.

Aproximando-se da jovem, abriu ele os braços para envolvê-la num caloroso abraço. Ela, olhando de soslaio para os lados, tentou em vão escapar ao afago. 

- Mas o senhor conhece Maraia, seu Mané? – Perguntou uma jovem admiradora da moça, quando este a libertou do efusivo abraço permeado de elogios.

- O quê? Seu cunheço Maria de Mané Cachacinha? – Falou com voz estrondosa, fitou a plateia atenta e concluiu quase aos gritos - Minha fia, alcancei isso aqui, assim, bem pixototinha, só de carcinha, vendeno bêra seca e puxa-puxa aqui no meicado.

Aldenir Dantas


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