PROFESSOR EPAMINONDAS E O CHEIRO DA ONÇA
Postado em21 Dec 2014 16 00 HISTORIAS DE MERICO



No tradicional bate papo noturno da bodega de Seu Felizardo, tecia-se comentários sobre o feriado prolongado da Semana Santa quando entrou o professor Epaminondas com um braço imobilizado na tipoia. Saudando os presentes, sentou-se com cuidado, entre gemidos e caras feias. Percebendo que seu Felizardo preparava-se para dirigir-lhe a palavra, antecipou-se nas explicações.

- Foi uma onça. - Falou, fez uma longa pausa permitindo que todos se entreolhassem espantados e continuou. - E olhe que se eu não fosse bom de perna, ela teria me comido.

- E onde foi isso, professor? - Indagou com ar de riso o professor Barbosinha, o mais jovem e também mais irreverente dos frequentadores daquela roda de conversa.

- Foi no sítio de um primo meu, no pé da Serra de Santana, em Currais Novos.

- Mas homi! E como foi o ataque dessa onça? - Indagou seu Felizardo.

- Bem, eu saí da cidade calculando que chegaria lá antes do anoitecer. Mas, o carro da feira, além de furar um pneu ia parando aqui e ali e quando me deixou no caminho, há uns quatro quilômetros da fazenda, já passava das seis horas. - Fez uma pausa, que foi aproveitada por outro para um comentário:

- Ainda bem que o senhor não é professor de matemática: seus cálculos não foram nada precisos. - Provocou Barbosinha, escondendo um sorriso de ironia.

- Mas vamos deixar os entretanto e partir pros finalmente: e o ataque da onça, amigo, como foi? - Voltou a perguntar seu Felizardo.

- Foi assim: Ao sair da estrada, andei uns dois quilômetros naquele caminho estreito e, quando atravessei a primeira porteira, ouvi o barulho da bicha no mato. A noite estava muito escura e não deu para vê-la toda, só vi aqueles dois olhos de fogo olhando para mim há uns cem metros. - Falava dando a melhor entonação que podia à narrativa e fazendo suas costumeiras pausas para acentuar o suspense, quando, mais uma vez, foi interrompido pelo provocador e colega Barbosinha:

- Olhos de fogo, professor? - Questionou, duvidoso.

- Meu caro, será que um marmanjão da sua idade nunca viu um olho de gato no escuro? - Falou em tom de censura e retomou a narrativa: - Eu sabia que era uma onça e que não tinha tempo nem pra pensar. Era agir imediatamente, ou ser devorado por ela. Diante desse beco sem saída, não contei história: disparei na carreira em direção à casa do meu primo.

- E então, professô? Tamo curioso, homi! Como foi qui onça lhe pegou e como conseguiu se livrá dela? - Perguntou  um dos presentes, de olhos e ouvidos pregados em Epaminondas.

- Não; não foi bem assim. Como falei, sou bom de perna. Uma onça jamais conseguiria me vencer numa corrida. O que aconteceu foi o seguinte: Eu corria numa louca disparada com um medo tão grande que não consegui olhar para trás uma única vez, sequer. O meu objetivo era chegar com vida em casa.

- Mas se não olhou nenhuma vez para trás, como o senhor sabia que a onça o estava lhe perseguindo? - Indagou Barbosinha, na sua eterna mania de por em dúvida as histórias do colega.

- Mas essa é boa! E eu por acaso não sentia o cheiro da onça? Era assim: quanto mais corria, mas sentia aquele cheiro forte de onça atrás de mim. Aumentava a velocidade, parece que o cheiro aumentava ainda mais. Nunca havia passado por uma situação tão difícil. Mas o importante é que escapei e estou aqui contando a história. - Concluiu com um suspiro aliviado, como se nada mais houvesse para esclarecer.

- Professor, e se a onça não conseguiu pegá-lo, como foi que machucou o braço? - Indagou seu Felizardo.

- Boa pergunta, meu caro; boa pergunta! Havia esquecido esse detalhe. - Falou, retemperou a garganta e continuou: - Há uns cem metros da casa do meu primo, há uma porteira. Na velocidade em que vinha, com aquele cheiro forte de onça atrás de mim, pensei que, se parasse para abri-la, o bicho me alcançaria. Então, do jeito que vinha pulei a porteira. Sempre fui bom em corrida, mas no salto em altura sou um zero à esquerda. Tropecei e caí por cima do braço. A queda foi tão feia que desmaiei. Ainda bem que os cachorros da fazenda fizeram a maior barulheira e logo fui socorrido.

- Que aventura, professor! E a onça, não pulou a porteira também? - Voltou a perguntar o provocador Barbosinha.

- Pulou, me comeu e a minha alma é quem está aqui dando a notícia e convidando vocês pro meu enterro. - Respondeu com ares de agastamento e, voltando-se para o seu Felizardo, continuou - Veja só o senhor: quando acordei, com certeza a onça já estava bem longe dali, mas eu continuava sentindo aquele cheiro forte da fera. Claro que era um cheiro psicológico.

- E por quanto tempo o senhor ainda sentiu o cheiro da onça, professor? - Indagou seu Felizardo.

- Só após tomar um banho, trocar de roupa e relaxar um pouco, foi que aquele cheiro horrível desapareceu.

- Mas cá para nós professô, já que tá entre amigo, pode dizê: o sinhô sujou ou num sujou as calça nessa história? - Indagou, em tom de intimidade, o amigo do lado.

- Bem... - Começou, fez uma pausa e com um sorriso amarelo, concluiu:- Sim, sim. Mas no meu lugar, acho que qualquer um de vocês também se sujava todo. Ou não?

 - Eu? Eu ficaria plantado no chão e a onça iria ter o desprazer de me comer regado a vinho branco e com recheio de caramelo. - Disse Barbosinha, arrancando uma sonora gargalhada dos demais, inclusive, da vítima do felino.

O professor levantou-se, já sem os gemidos e sem os excessivos cuidados com o braço e, batendo com a palma da mão no balcão, fazia menção de sair quando entrou Biluca com um litro vazio pendurado por um alça para comprar querosene.

- Ou Biluca, tu viesse por detrás da rua, nesse escuro, foi?

- Foi sim. Mais cuma o sinhô adivinhou? É qué bem mais perto, seu Felizardo.

- É que você andou pisando no que não devia... Vá ligerim ali fora limpar a chinela que tá cum cheiro danado de onça.

Seu Felizardo manteve-se firme, mas, os outros se renderam a uma gargalhada coletiva. O professor Epaminondas acompanhou os demais sem muita convicção e, quando cessaram as gargalhadas, fingindo desentendimento e estimulando o nariz com o indicador, teceu um último comentário:

- Eu devo está com alguma deficiência olfativa. Não senti cheiro nenhum.


Aldenir Dantas




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