Postado em17 Jan 2015 23 47 HISTORIAS DE MERICO

A cadeia de Mericó, como os demais órgãos públicos daquela cidadela, deixava muito a desejar. A velha porta de madeira da única cela, cheia de frestas e maltratada pelo tempo e pelos cupins, poderia ser facilmente arrebentada. O teto baixo e sem forro também não oferecia segurança, podendo o prisioneiro fugir pelo telhado sem grandes dificuldades.
E na manhã daquele domingo, o famoso arruaceiro Chico Suru, após mais uma das suas presepadas, acabou preso.
O local predileto para as suas confusões era a palhoça: bar, com um anexo de palhas de coco que funcionava aos sábados e domingos com um pequeno dance animado por uma radiola.
- Pode me prendê, cabo, queu me sorto! Quem fica ingaiolado é passarim!
- Vamos ver, seu desordeiro, se dessa vez você se solta!
E, mais uma vez, foi Chico atirado à cela já bem conhecida sua, de onde fugira inúmeras vezes: abrindo a fechadura com um pedaço de arame, furando a parede, quebrando a porta e pendurando-se nos caibros e abrindo um buraco nas telhas com os pés.
- Soldado, num arrede o pé da delegacia hoje. E se esse sujeito inventar de fugir, meta-lhe fogo! E você, seu cabra, tire a roupa todinha e bote tudo aqui dentro desse saco, até a cueca. Quero ver, agora, você fugir!
Guardada a roupa do prisioneiro, o soldado manteve um olho na porta da rua e o outro na da cela, afora um ou outro cochilo que dava.
Domingo havia um grande vai e vem nas ruas: burros com caçuás tangidos pelos donos, homens e mulheres conduzindo sacos de feiras nas costas ou na cabeça e, nas calçadas e janelas, pessoas observando o movimento e revendo conhecidos que vinham dos sítios.
Do seu posto, o soldado de vez em quando ouvia as pancadas e os xingamentos do prisioneiro.
- Eita! Que a fera tá é bufano de raiva.... Pois vai bufá o dia todo, seu presepeiro!
Passados alguns minutos, o prisioneiro se acalmou. Fez-se um longo silêncio, cortado pelo grito estridente de uma mulher que passava em frente à delegacia:
- Valei-me Nossa Senhora! Um home nu no mei da rua!
Correndo até a porta, o soldado viu Chico Suru, nu, descendo rua abaixo numa tresloucada carreira. No trajeto por onde passava, mulheres corriam, colocavam os filhos para dentro de casa, cerravam portas e janelas, viravam o rosto...
Aquele foi um fato inusitado que, se por um lado feriu o pudor daquele povo conservador, por outro teve a sua dose de humor. A prova disso é que dona Otaviana, já de idade avançada, mas apreciadora de umas anedotas, passado o ocorrido, comentava, às gargalhadas, com as vizinhas na calçada:
- Mai fia de Deus, nunca tinha visto na vida coisa tão isquisita: aquele homi im toda carreira, ladeira abaixo, no mei da rua... Ou arrumação disgraçada de feia!
- Mai foi mermo uma marmota das grande, cumade! E o sordado, cum aquele bucho de caçote, correno atrás feito um pato e dano tiro prá riba sem o revolve atirá... ! Só sirviu po povo mangá!
- Ai, meu Deus qui ingraçado! O coitado correno cum aquela ligeireza, num havera de consegui pegá nem uma galinha.
Aldenir Dantas
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