MERICÓ NOS TEMPOS DE DIANA E ODAIR JOSÉ
Postado em21 Feb 2015 23 51 HISTORIAS DE MERICO

Naqueles tempos, naquela cidade, moça que não era virgem não podia ir a festa, não podia namorar e não podia ficar de conversa com mulher casada, apenas com senhoras idosas que não corressem mais o risco de ficar faladas.

Para amenizar a vergonha da família, deviam murchar dentro de casa, de preferência da cozinha para o quintal. Isso quando não eram expulsas pelos pais indo, muitas vezes, parar em um bordel, na cozinha de uma família abastada ou, como diziam pejorativamente, virar “pinica” na capital.

Madalena, bonita jovem de vinte e um anos, caiu nessa armadilha e foi parar na casa de Dona Menina onde, além do rotineiro bate papo da boca da noite, jogava-se uma tradicional sueca.

Um dos frequentadores assíduos do jogo era o menino Abdias que, contando com apenas doze anos, era um exímio jogador o que lhe assegurava uma vaga entre os adultos.

Durante muito tempo Madalena foi vista apenas quando, cabisbaixa, vinha apanhar algo necessário às suas atividades domésticas. Depois, sentindo mais à vontade e com o incentivo de Dona Menina, foi se mostrando mais e mais até integrar-se ao ingênuo e divertido carteado.

Colocava, ela, por terra os dotes de bom jogador de Abdias. O menino se esquecia de olhar as cartas, o jogo, o parceiro... Olhava tanto e tão intensa e indiscretamente para ela que arrancava comentários e sorrisos dos adultos.

- Linda, linda, linda. O que mais poderia dizer ao seu respeito? Linda, mil vezes linda. - Pensava, por trás das cartas, admirando a estonteante da moça.

Naquela noite, o jogo estava mais animado do que nas demais.

E com o fim da Voz do Brasil, no rádio, o primeiro sucesso da noite:

“Que bom seria ter,
seu amor outra vez.
(...) Eu tento esquecer
Que você  já foi meu
Nunca mais eu vou achar um outro amor
E nem vou procurar
Não quero amar a mais ninguém.” (*)

Na proporção que ouvia a música, as mãos da jovem inquietavam-se. Perdeu, por descuido, um ás para um dois de trunfo. Os dedos trêmulos não mais conseguiam manusear as cartas, deixando o leque desengonçado.

Enfim, as lágrimas contidas à custa de doloroso esforço, passaram a escorrer abundantemente pelas suas faces rosadas, arredondadas. Mas, isso por pouco tempo. Na sua fortaleza de jovem agricultora, habituada às intempéries da natureza e da vida, enxugou o rosto com as costas das mãos, se recompôs e continuou o jogo quebrando o silêncio.

- O trunfo é paus e eu trouxe o sete seco!  - Falou atirando, a contragosto, a carta sobre a mesa.

Quanto a Abdias, restou-lhe um nó na garganta pelo resto da noite. E, pelo resto da vida, mesmo passando a viver nos grandes centros e desenvolvendo apurado gosto musical, restou-lhe um sagrado respeito por Diana, Odair José, Márcio Greyck, Fernando Mendes e outros que conseguiam falar a linguagem do coração daquela gente sofrida, simples e autêntica.


Aldenir Dantas


(*)  Música: Tudo que eu tenho
Compositor: David Gates / Versão: Rossini Pinto
Gravada por Diana em 1972.



Para abrir a janela de comentarios, clique sobre o titulo do texto ou sobre o link de um comentario:
Aldenir Dantas
22 Feb 2015 22 32
Obrigado, amigo Jorge Brana.
Jorge Brana
22 Feb 2015 19 58
Bravo, amigo!
Deixe um comentario
Seu nome
Comentarios