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OUTRO OLHAR por Jomar Morais
METAMORFOSE
Ninguém é hoje a pessoa que era há alguns anos. Na verdade, ninguém é hoje a mesma pessoa que foi ontem
Durante quatro décadas escrevi textos que, reunidos, resultariam, talvez, em um volume do tamanho da Bíblia. A maioria é reportagem, relatos de acontecimentos e sua interpretação. Mas há também ensaios, comentários, crônicas - peças nas quais minha alma e minha visão de mundo aparecem sem disfarces em considerações sobre fatos, idéias e pessoas. Resta pouco dessa produção em meu arquivo. São textos publicados em jornais e revistas nacionais em que atuei - “O Estado de S. Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil”, “Veja”, “Exame”, “Istoé”, “Superinteressante” e “Viagem e Turismo” - e algumas páginas que assinei, antes dessa etapa, no “Diário de Natal” e na “Tribuna do Norte”. Essas relíquias integram o que, durante anos, considerei o melhor de minha saga jornalística. Textos que ecoaram de norte a sul e, em algumas ocasiões, agitaram o cenário nacional. Crias lambidas com carinho e orgulho.
A questão é que hoje, ao manusear as páginas amareladas, quase não me vejo nelas. Essa percepção é nítida nos recortes que me arrastam às profundezas do passado, enevoada nos textos mais recentes. Seja como for, reler o que escrevi me faz perceber o óbvio: não sou mais a mesma pessoa. Não é milagre nem enlouqueci. É lei da natureza. Ninguém é hoje a pessoa que era há alguns anos. Na verdade, ninguém é hoje a mesma pessoa que foi ontem.
Nem sempre essa percepção é clara - e, nesse caso, revirar as gavetas e rever velhos registros nos ajuda a dissolver a bruma dentro da qual imaginamos uma auto-referência fixa e imutável. A cultura, ela própria mutante, e os conceitos a que nos apegamos reforçam essa ilusão, cujo preço pode ser o sofrimento de tentar conter o fluxo da vida e seu impulso criativo.
Quem sou eu? Eis a pergunta que não tem resposta. Quando o imperador chinês Wu perguntou ao monge budista Bodhidarma “quem é você?”, ele, de pronto, respondeu: “Não tenho a menor idéia”. Em seu lugar, certamente teríamos sacado a cédula de identidade ou o currículo, mas isso é próprio da soberba dos ignorantes.
É possível dizer o que não somos. Até hoje, porém, nenhuma ciência, filosofia ou religião nos forneceu elementos para afirmamos o que somos. No máximo, construímos metáforas que aliviam nossa perplexidade, como a representação do ser por uma chama, que persiste sem jamais ser a mesma, ou um prisma, através do qual a luz infinita da consciência se desdobra em múltiplos aspectos.
A experiência descerra véus e abre canais por onde, a cada instante, formas temporárias expressam as incontáveis possibilidades de uma mesma essência desconhecida. E é assim que se estrutura o conhecimento, com a verdade saltando de dentro para fora na medida que interagimos na rede universal. Ter consciência disso faz uma enorme diferença no modo como lidamos com as nossas limitações e metamorfoses. Sobretudo, muda a qualidade de nossas relações com a diferença do próximo. A compaixão emerge quando percebemos e aceitamos a diversidade e o eterno movimento da vida.