Ano 27                                                                                                                              Editado por Jomar Morais
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por Jomar Morais
A VACA SAGRADA DO TRÂNSITO
Falar do clima sempre foi um recurso eficaz para engatar um diálogo quando os assuntos não aparecem. “Meu Deus, que calor...” “Parece que vai chover...” Nos últimos tempos, descobrimos outro tema quebra-gelo: o trânsito. Não há cidade média brasileira em que essa matéria não esteja na boca do povo, em algumas por puro modismo. “Que horror...” “Quanto tempo perdi para chegar até aqui...”

Levando-se em conta as referências de cada comunidade (Para quem vivia numa cidade onde os veículos só paravam alguns segundos para esperar a luz verde do semáforo, apenas 15 minutos em marcha lenta pode ser a antevisão do inferno), o trânsito é um problema nacional. Gravíssimo nas grandes metrópoles. Preocupante nas cidades médias.

É também um caso típico de tragédia anunciada. Mesmo uma criança de 10 anos, poderia ter previsto os transtornos atuais já no século passado, se não fosse distraída, como aconteceu aos adultos, pela propaganda da indústria automobilística, os planos dos economistas e o discurso interesseiro da maioria dos políticos.

Erramos feio no planejamento do transporte e da mobilidade. Em vez de ampliar e modernizar, destruímos a nossa malha ferroviária. Esnobamos até à década de 1970 a opção do metrô, que já existia há 100 anos em várias cidades do mundo. Priorizamos o transporte individual, sob a influência do lobby do automóvel. Sufocamos as cidades com asfalto e viadutos, reduzindo áreas verdes, aquecendo o ambiente e elevando à décima potência a poluição do ar e  o barulho estressante.

Note: eu disse erramos. Não acho que essa conta deva ser apresentada apenas aos políticos e aos burocratas e até mesmo à mídia que, dependente de publicidade, ajudou a consolidar essa estratégia equivocada. Nós, os cidadãos, temos nesse processo a parcela da omissão, do devaneio diante dos valores consumistas e do egoísmo que nos impede de ver que, na teia da vida, o nosso bem-estar depende do bem-estar coletivo.

Tornamos o carro nossa vaca sagrada, intocável, a única coisa que une pobres e ricos, governo e oposição, direita e esquerda, os ruralistas e a CUT.

Quem ousaria mexer na indústria e no mercado de automóveis? Os argumentos sobre a geração de empregos preencheriam uma Bíblia e justificam até a isenção de impostos, às vezes negada aos alimentos.

O carro é uma utilidade, sim, mas antes disso é nosso símbolo de status, de emergência social. É o nosso maior fetiche. Por ele chegamos a reduzir o espaço habitável de nossas casas, a fim de abrigar até 7 veículos na garagem.

Talvez só o agravamento da doença do trânsito nos leve a tomar o remédio amargo, mas necessário, de mexer profundamente em nossos valores e hábitos.

Até lá os governos continuarão construindo viadutos enquanto nós, em repetitiva catarse, faremos outras caras e bocas em nossa pobre ladainha : Que horror! Que trânsito infernal!
[Publicado na edição de 18/03/14 do Novo Jornal]
Talvez só o agravamento da doença do trânsito
nos leve a tomar o remédio amargo, mas necessário,
de mexer profundamente em nossos valores e hábitos.

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